Falta de ar (parte II)

Para você ver, Diário, como esse mundo é uma coisa engraçada e existe mesmo essa energia invisível, intrigante e maravilhosa que a tudo permeia, ainda mais sutil do que o ar...

Eu estava fazendo anotações em um caderno, no metrô. Primeiro, eu estava em pé, com um dos pés enrolados no bastão metálico e gelado do metrô para ficar com as duas mãos livres para escrever. (Ainda bem que o metrô não costuma dar freadas bruscas!) Depois, dei sorte de conseguir sentar (adoro quando isso acontece!) e um senhor ao meu lado achou engraçado o jeito que eu escrevo tão ligeiro com a mão esquerda. Realmente, eu escrevo muito rápido... É engraçado mesmo! Sei que é!

Alguém que estava sentado ao meu lado me cutucou e disse, bem no pé do meu ouvido, “No meu tempo, quem era canhoto assim, tinha pacto com o diabo.”

Espantada e quase irritada com o inusitado comentário, levantei o olhar na hora e deparei com a face risonha daquele velhinho de seus o que, oitenta anos? Ele era muito branco, magro, baixinho, e usava uns enormes óculos escuros, de modo que eu só via os lábios muito alargados em um sorriso daqueles de quem sabe muito bem que acabou de falar uma travessura.

“Gente, mas como é que pode uma coisa dessas, né?” retruquei, rindo da besteira. “Falar que canhoto tem pacto com o diabo, ora essa! A gente já nasce assim, ué!”

O velho riu de se esbaldar.

“Pois é, minha filha, mas comigo não teve jeito, não! Eles batiam na minha mão, batiam mesmo, se eu tentasse escrever com a mão esquerda! Tive que ir para a direita,” fez ele, levantando a mão direita e sacudindo-a no ar com surpreendente agilidade. “No meu tempo, nós usávamos aquela caneta tinteiro! Sabe?”

Caramba, os filhos do Yosef me falaram à beça sobre a caneta tinteiro esse final de semana que passou, quando eu fui lá conhecê-los em Angra dos Reis!

“O senhor acredita que uns amigos meus me falaram muito sobre essa caneta tinteiro esse final de semana que passou?”

Acho que o velho não escutou nada do que eu disse, estava já meio surdo e o barulho do metrô não ajudava. Deu aquela risada de quem finge ouvir, e depois continuou falando do quanto era preciso ser cuidadoso para lidar com a caneta tinteiro. Descreveu como ele tinha que sair de casa, em seu tempo de estudante, levando uma almofada de tinta e a caneta de madeira com um pedaço de pena. As letras, estas tinham que ser desenhadas com muito esmero, as maiúsculas até o topo da linha, as minúsculas, até a metade da linha de caligrafia. O velho falava e falava, o metrô avançava bem rápido rumo à reunião que eu havia marcado para uma da tarde com uma agência de serviços de tecnologia para nossos livros digitais.
“Era muito fácil borrar aquela tinta, minha filha! Tinha que ter um cuidado danado! E, imagine você, eu, que era canhoto, a dificuldade que eu tinha, no início, para escrever sem borrar com a mão direita!”

“Puxa vida, dá para imaginar!”

“Aí eu usava o mata-borrão à beça, e apanhava muito na mão esquerda!”

Eu sabia o que era o mata-borrão, porque os filhos do Yosef também haviam descrito para mim direitinho tim tim por tim tim como era a época da caneta tinteiro, e eu senti um certo saudosismo nos três enquanto eles falavam.

“Depois é que veio a primeira esferográfica, foi um sucesso!”

“Como é bom pessoas com visão, né?” Ele não me respondeu. “Foi a Bic a primeira esferográfica?” 
perguntei, com a voz bem alta.

Ele respondeu exatamente a mesma coisa que os filhos de Yosef haviam dito: “Não sei se foi a Bic ou a Faber Castel, minha filha.”

“Ai, que sincronicidade estranha de tão sincrônica!” pensei, com meus botões. “Estranho! Parecia que eu estava revendo um trecho de um filme, porque uma informação precisava ser repetida para mim na Matrix. Porque eu não havia prestado atenção suficiente? Porque precisava ser reforçado? Eu não sabia o por quê, mas a cena se repetia estranhamente diante de meu nariz.

O meu celular apitou e eu fui olhar o que o Android vinha me alertar: se tinha chegado um torpedo, um email do Gmail, alguém me chamando pelo Gtalk, alguém me chamando pelo Facebook. Que beleza, tudo integrado em um mobile só! Vi que tinha chegado um email no Gmail.

Com a ponta do indicador, arrastei o envelope branco do topo da tela até a parte inferior, fazendo abrir a minha caixa de entrada. O velho colocou os óculos escuros no alto da cabeça para enxergar melhor. A tarefa já cotidiana de conviver com tanta tecnologia já me era tão comum, mas ainda parecia deslumbrar o velho, e, naquela hora, confesso que senti um gostinho especial pelo contato com a modernidade tão absurdamente contrastante com a época da charmosa caneta tinteiro.

Vi que tinha um email do nosso designer, que estava enviando quatro provas da nossa nova logomarca, que havíamos encomendado com ele na semana passada, já que precisamos mudar o nome de “Editora Favo de Mel” para “Editora Biancovilli”.

“Ah, que bom!” toquei novamente na tela do celular e os invisíveis raios de energia que saem das mãos o tempo todo fizeram o aparelho abrir aquele envelope que eu queria ler, quando então a minha boca se abriu e fechou. Abriu de novo. Fechou mais uma vez. Virei o corpo todo para o lado do velho e olhei-o bem, desconfiada de que ele fosse um agênere brincando comigo!

“O que foi, minha filha? Notícia ruim?” disse ele, rindo-se da minha agitação.

“Notícia ruim, moço? Notícia boa! Veja por si mesmo!”

Coloquei a tela do celular bem na frente dos olhos dele e lá estava a logomarca com uma pena de caneta tinteiro bem em cima do nome: Editora Biancovilli.

Logo em seguida, chegou outro email, desta vez da minha irmã gêmea,

“Por favor, por favor, temos que escolher a logo número dois, a da caneta tinteiro!!! A Cristalzinha também prefere esta! Por favor, por favor! Está muito bonita esta logo marca! Por favor, tem que ser a número dois!!”

Mandei a resposta para o Marcelo na hora, com cópia para a Angélica: “Está escolhida a logo número dois por unanimidade.”

Chegou a estação do Largo do Machado, onde eu ia descer para andar até a rua dois de dezembro, local da reunião.

E, pelo visto, não foi uma unanimidade só de duas pessoas...

Com amor e gratidão,

Atma.


Pensamento para o Dia 09/03/2012

“Basta fechar os olhos por cinco minutos e pensar no lucro que seus esforços lhe renderam. Um desejo sempre leva a outro e isso prossegue como uma cadeia sem fim. Inicialmente, você deseja se casar, então você tem uma filha ou um filho, após isso, você deseja terminar sua educação, núpcias, e a lista segue indefinidamente. A alegria que se obtém mediante o cumprimento de qualquer desejo é imperfeita, limitada, temporária e rica em sofrimento. O segredo para a verdadeira felicidade está no desapego (vairaagya). As substâncias oleosas e gordurosas deslizam sobre a língua, mas ela não é afetada por elas e não se torna gordurosa. A mente também precisa ser domesticada para não ser afetada pela experiência de sucesso e fracasso, ganho e perda, bem-estar e doença. Pratique a rendição aos pés do Senhor em todos os momentos; deixe a vontade d'Ele prevalecer.”
Sathya Sai Baba




Namastê,

Atma :)



atma.sensibilidade@gmail.com
ed.biancovilli@gmail.com
Sócia-fundadora e idealizadora da Editora Biancovilli
@Ed_Biancovilli