O PODER DOS FLORAIS.



Rio, 4 de fevereiro de 2012.

Querido Diário,

Hoje estou muito inspirada para escrever. Estava aqui lembrando de uma conversa que tive com a Paty, uns meses atrás, sobre os meus mais secretos pensamentos, para que ela ministrasse o poder dos florais em meu auxílio.

“Eu só não entendo por quê a morte tem que ser tão cruel às vezes, Paty,” eu dizia.

A Paty fez aquela cara dela de ser intergalático, e jogou uma pesada mecha de seus fartos cabelos louros para trás, e seus olhos azuis sorriram, “Já não estamos mais em tempo de viver nesse tipo de incompreensão, Atma,” advertiu-me, com sua voz grave. Entretanto, infelizmente aquelas palavras eram-me insuficientes para me despertar, no momento. Eu não estava ressonante com aquelas vibrações tão finas. Uma parte de mim – uma das cordas do violão – estava grossa demais, endurecida.

“Ages como uma criança magoável,” instruiu-me Yosef, em pensamento.
Não dei bola para o meu amigo espiritual, e disse, “Faz um floral aí para mim, Paty, para trabalhar isso?” pedi.
A Paty não falou mais nada. Só sorriu, com aquele jeito gigante dela e, com o espírito igualmente grande, disse, generosamente, “Pode deixar que eu vou fazer um floral muito bom para você, Atma.”
Fui para casa satisfeita, com o vidrinho de florais na bolsa. Cheguei em casa, passei pelo mendigo-lesma, forcei-me a dar um boa noite para ele. Dessa vez não doeu tanto. Subi as escadas sem correr, larguei o que tinha que largar no quarto, tomei uma ducha boa demais de refrescante, comi um yogurte e fui deitar.
Pinguei mais quatro gotas do floralzinho mágico da Paty embaixo da minha língua e fiquei sem fazer nada, de olhos fechados, só descansando. Quando então uma frase bonita veio na minha cabeça:
“Estamos na Era do Ancião dos Tempos.”
Senti que era um texto novinho que estava vindo, querendo nascer pelos meus dedos, dar vida à caneta e insinuar-se no meu caderno de anotações, você, meu Querido Diário!
Opa, peralá, não quis deixar o texto fugir. Mesmo cansada, levantei e fui procurar meu caderninho. Encontrando-o, sentei-me no sofá, porque a sala estava vazia, e anotei o que me vinha:
“Os florais
Os florais entravam em mim, tocando os segredos do meu ser incauto... em seu trabalho turbulento e mesmo barulhento, aos que podem ouvir o trabalho microscópico das partículas dilacerando velhas formas-pensamento, incendiando cicatrizes, enfiando sementes novas na terra que é o centro.”
Escrevi. Reli o que veio... Fiquei feliz... Os florais agiam dentro de mim, e eu comecei a ver uma cena...
O meu campo áurico assemelhava-se agora a uma ambulante árvore de Natal, cheia de bolas e pisca-piscas... Eu sentia que era o trabalho dos florais: tudo brilhando, losangos que pulsam em si mesmos e mutam suas cores, vibram. Ardem. Queimam. Uns morrem, outros ganham vida. Nada fica parado. Tudo se inicia. Nada se perde. Elementos se combinam. Chega o outono da vida. A terra nutre. A madeira expande. O metal esquenta e esfria. As águas morrem e depois geram vida. O perfume das flores lava as feridas. É segredo ultra-secreto do Mestre Maior da Vida.

O segredo colocado nas plantas,
alguns homens chamam de cura.
Mas as flores são apenas o que são:
puras em suas vidas.
Por isso mesmo, o toque delas contigo é algo
Tão inevitavelmente vibrante: és incapaz de resistir
Aos encalços que dançam sobre as tuas feridas!
Vives agora como a flor:
Abre teu coração em pétalas e,
Finalmente,
Respiras.
Respira, criança,
Porque não és mais criança,
Vives no tempo dos Anciãos do Tempo.
É chegado o tempo da Vida.
Pelo tempo que tiver que ser porque,
Como você já sabe,
Tudo muda
O tempo todo
Nessa vida.

É por isso que os sábios, em uníssono, anunciam:
IMUTÁVEL
NESSA VIDA
SÓ O
MISTERIOSO
AMOR.

E quem poderá dizer qual é a sua verdadeira natureza?
DIZER NÃO
PODERÁ.
MAS PODERÁ
SENTIR A SUA
BRISA
E ASSIM
VIVERÁ SEM
MEDO
OBSERVARÁ AS
MUDANÇAS DA
VIDA
E COM ELAS NÃO
SOFRERÁ
JAMAIS.


Vendo as bolas da árvore de Natal e as luzes do pisca-pisca em que havia se transformado o meu campo áurico, aprofundei-me e ouvi-me gritando feito uma desvairada. Não entendi o porquê, porque aquela bola se espatifou, se desfez, perdeu vida, e eu agradeci por aquela limpeza, mesmo sem entender. A minha consciência foi, então, guiada, para um outro ângulo daquela árvore, e vi que uma criança mirava, aflita, as bolas de Natal, em uma noite depressiva na casa de sua mãe abandonada da alegria da vida. Bolas quebraram-se em tremendas feridas, apagando algumas luzes do pisca-pisca antes tão festivo, que agora mais parecia um trem-fantasma mal construído de um parque de diversões falido. Arenas de circo. Palhaços sem graça zombam e espiam as minhas reações. Velas acendem-se no topo do céu, e eu recebo a influência das emanações. São ancestrais amados que rezam por mim. Faço minhas escolhas. Reconstruo bolas. Não com os velhos cacos, estes já se foram, engolidos por lobos famintos que estavam a espreita. Faço bolas novas de verdade e penso que eu mesma as crio, banhada da ignorância de que, em verdade, não sou eu que faço coisa nenhuma.

Eis que, ainda pisando sobre os cacos das bolas dos meus natais estraçalhados, Ele envia-me o reflexo de um Peregrino com um absurdo desprendimento e capacidade não só de amor, mas de perdão...

Ai, ai...

Atma



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Sócia-fundadora e idealizadora da Editora Biancovilli
@Ed_Biancovilli