O REINO MUTANTE DA MADEIRA - O TAI CHI E A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA.

Capítulo 10





Rio, 18 de setembro de 2011. Domingo. 


Oi, Diário.

Sexta passada tivemos uma palestra excelente com a Chen sobre Medicina Tradicional Chinesa! Foi lá na pracinha de Irajá, mas não na praça em que costumamos fazer o Tai Chi, foi na que fica dois quarteirões acima do Pan. Lá é melhor para eventos especiais, porque o local é coberto.

Quando terminamos a aula de Tai Chi, subimos a rua e alcançamos a tal segunda praça. Lá, já estava tudo organizado: havia uma mesa central montada estavam as nossas apostilas e os DVDs, que nos seriam entregues em breve. Cerca de trinta cadeiras haviam sido organizadamente postas de frente para a mesa central, onde nós iríamos nos sentar para ouvir a aula. Amarrados às traves do gol, estavam dois grandes leques com desenhos do Tao e de dragões enfeitavam a quadra. Uma outra mesa, posicionada à direita, ficou para o cafezinho e para os lanches que cada um de nós levou. Eu levei queijo minas cortado em pedaços miúdos e doce de mamão enroladinho da roça. Tinha risoles, sanduíches, biscoitinhos, bolo de laranja, sucos variados e chá.

O nosso Professor já estava lá. Estava sentado em uma das cadeiras e conversava com uma aluna antiga. Cumprimentei-os com o aceno típico do Tai Chi, e fui assinar o meu nome no livro de presença. 

A Bete estava ocupadíssima cuidando de todos os detalhes e, por isso, me encarregou de tirar fotos do pessoal que assinava o livro de presença. Tirei fotos, de ângulos variados, de todo mundo, do espaço, dos leques, das cadeiras. Depois a Bete poderia escolher as melhores para colocar no blog. 

O Professor levantou para pegar um copinho de café. Aproveitei a oportunidade.

“Mestre, posso tirar uma foto sua?” pedi.

O Professor sorriu, amável como sempre, “Claro.” E abriu aquele sorriso. Tirei umas duas ou três fotos dele.

“Atma, há quanto tempo você estuda Medicina Tradicional Chinesa?” 

“Há dois anos e meio...” respondi.

“O que você me diria sobre a Medicina Tradicional Chinesa e o Tai Chi?”

“Como assim?”

“Suponha que eu fosse um leigo. O que você teria para me dizer sobre o Tai Chi e a Medicina Tradicional Chinesa?”

“Deixe-me pensar...” pedi. Ele ficou me olhando em silêncio. A imagem de um rio de energia veio à minha mente, e eu disse, “A base da Medicina Tradicional Chinesa é a de que nós somos feitos de energia. Tudo é feito de energia,” falei, fazendo um gesto largo com as mãos para todos os lados. “A nossa energia é como um rio que deve sempre fluir de modo livre e harmonioso... Quando existe uma estagnação da energia, é como se houvesse uma pedra que impede o livre fluxo da água... É aí que surgem as desarmonias... É preciso detectar onde estão as pedras do rio e retirá-las... O Tai Chi contribui para que a energia flua de modo mais harmonioso...”

“Você falaria para nós um pouco hoje?”

“Não, Mestre. Hoje, não,” respondi, porque aquele dia era para a Chen falar. Ela decerto havia preparado uma introdução para a palestra dela e o meu modo de abordar o tema poderia interferir na maneira que ela gostaria de transmitir o assunto. 

Eu ia explicar ao Mestre por que eu havia negado um pedido dele, contudo a Bete o convocou para a abertura da palestra e eu não tive tempo de dizer palavra. Então, eu fui para trás das cadeiras, e fiquei tirando várias fotos dele.

“Bom dia a todos,” saudou o Professor. “Eu estou muito feliz de estar aqui. Que bom nós podermos receber informações que trarão tanta qualidade para as nossas vidas, não é? Eu estava conversando com a Atma, ela é estudante de Medicina Tradicional Chinesa. Ela estava me falando que nós somos feitos de energia, que tudo é feito de energia.”

Sorri para o Mestre, e tirei mais fotos dele.

“Nós somos como um rio, que deve fluir de modo livre e harmonioso... Hoje nós vamos aprender um pouco mais sobre como manter a harmonia em nosso corpo com a Chen. Passo a palavra para ela.”

A Chen levantou-se.

“Eu estou muito feliz de estar hoje aqui com vocês! Hoje eu mostrar quinze pontinhas muito bom para manter saúde! Já está todo mundo com a apostila direitinha, né? Todo mundo na página dois, por favor...”

E seguiu-se uma hora de uma aula bastante rica sobre pontos vitais chineses.

Vim para casa já era quase meio-dia, trazendo a minha apostila e o meu DVD. As palavras do Professor não me saíam da cabeça, “Como você falaria para mim, se eu fosse um leigo? Como você me traçaria um paralelo entre a Medicina Tradicional Chinesa e o Tai Chi?” 

A voz dele ecoava em minha cabeça. Eu sabia que o Professor estava longe de ser leigo no assunto. Por que ele queria ouvir a minha resposta?

Fui para a sala, fechei as cortinas, liguei o ventilador para girar para o alto, e deitei-me no sofá. Queria cochilar um pouco antes do almoço. No dia seguinte, eu teria aula de Medicina Tradicional Chinesa na Neijing o dia inteiro. Eu ainda tinha ficado de ir, hoje à noite, conhecer o treino do Kung Fu do pessoal de Santa Cruz da Serra. Mal sabia eu que, logo nesta minha aula na Neijing do dia seguinte, eu encontraria uma resposta perfeita à questão que meu Shi Fu havia me apresentado. 
Bem, ontem acordei terrivelmente atrasada para a aula na Neijing: já eram quase oito da manhã. Estremeci, “Ai, não acredito! A aula começa daqui a dez minutos e eu ainda estou em casa de pijamas!” 

Cada minuto de aula na Neijing é precioso. Mas eu não ia começar o dia me estressando por causa do meu atraso. Ah, não ia mesmo. Eu queria manter o ritmo do Tai Chi na minha vida. Infelizmente, eu estava mais do que atrasada. Mas, fazer o quê? Eu iria me arrumar o mais rápido possível, e chegaria lá na escola a hora que desse. 

Fiz tudo rapidinho e, às nove e quinze, cheguei na porta da escola, em Santa Tereza. Cumprimentei a moça da recepção.

“Shh! Não conta para ninguém que eu cheguei atrasada, não, hein?” brinquei. Ela riu. Ainda aproveitei para tomar um golinho de café, e só depois subi as escadas de madeira até o segundo andar. 

Pela porta de vidro da sala de aula, vi os meus colegas de turma: alguns estavam deitados no chão e outros estavam ajoelhados ao lado destes, treinando a inserção das agulhas de acupuntura. 

“Puxa vida, estou perdendo a aula prática!” pensei, e entrei me esforçando para não fazer muito barulho.

“Entra e fica quietinha,” disse-me o professor Victor, assim que eu toquei os pés no tatame. Na Neijing é assim: quem chega atrasado, não tem direito a luxo, não. Aquela era uma das poucas vezes que eu chegava tarde, e não gostei nada da sensação.

O que pude fazer, então, foi ficar observando. Até que foi bom, porque eu pude ir acompanhando os comentários do professor para cada grupo de alunos.

“Olha, essa agulha aqui deveria estar com uma angulação diferente... Você deve introduzir a agulha assim e a sua intenção deverá ser atingir o ponto do outro lado do cotovelo, para baixo, não na horizontal, como você fez,” instruía o professor.

“Certo, professor,” dizia o aluno.

O professor Victor se dirigia, em seguida, a outro grupo. “Veja, o ressonador não é aqui. É mais próximo da tíbia,” disse ele, retirando a agulha do ponto onde estava e mostrando onde era o local correto.

Sendo assim, apesar de eu não ter treinado a inserção das agulhas, pude aprender bastante daquele modo.

Meia hora depois que eu cheguei, já era a hora do primeiro intervalo para aquele nosso cafezinho.

“Mal você chegou, já vai descer de novo, hein?” o Jorge brincou comigo. O Jorge é um barato: é instrutor de Tai Chi e de Ki Kung. Ele é barrigudinho, tem os cabelos totalmente brancos, mas a aparência dele é extremamente jovem. A pele é brilhosa e saudável.

“Vamos tomar um cafezinho, então?” brinquei. Descemos para o primeiro piso da escola.

“Jorge, eu estou toda moída!” falei.

“Por quê?” quis saber ele. 

“Porque ontem à noite eu fui treinar Kung Fu com o meu Professor de Tai Chi. Fiz flexão de braço, abdominal, corrida, chutei, soquei. Estou toda dolorida.”

O Jorge riu. “Quer dizer que você continua empenhada no Tai Chi? Isso é muito bom! Já está fazendo as formas?”

Lá na Neijing, nós só nos encontramos no terceiro sábado de cada mês. É por isso que na hora do cafezinho perguntamos uns aos outros como estão as coisas, como passaram o mês, etecetera e tal.

“Já! Eu mergulhei mesmo na onda do Tai Chi!” falei. “Já estou treinando até o leque!”

“É mesmo?” animou-se o Jorge.

“É. Quanto às formas, eu já sei fazer a forma oito e estou na metade da vinte e quatro, até o violão chinês...”

“Muito bom,” entusiasmou-se meu colega. “Quem é o seu professor?”

“O meu Professor chama-se Sidcley de Almeida. Ele dá aula para nós lá em Irajá. Ele é muito bom...”

“Sidcley de Almeida?” indagou o Jorge, coçando a barba branca. O Jorge pertence ao mundo das artes marciais há mais de vinte anos. Por isso, ele conhece bastante gente nesse meio. 

“Vem cá, esse Sidcley é um que tem o cabelo curtinho, tem a pele morena e é fortão assim?” perguntou o Jorge, juntando os punhos na frente do corpo e forçando bem os bíceps para aumentá-los de tamanho.

“Exatamente! Ele é bem forte assim, usa o cabelo curtinho, é moreno...”

“Ora! Eu já sei quem é!” afirmou o Jorge. “É o Sidcley de Almeida! Esse cara faz uns katis excepcionais! Ele incorpora mesmo! Ele é muito conhecido aqui no Rio pela excelência dele na interpretação dos katis! O cara é bom demais!”

Katis são as formas do Kung Fu, Diário, ou seja, uma sequência de movimentos com socos e chutes. Também são chamados de Tao Iu. 

“Isso mesmo!” vibrei. “Eu já vi uns vídeos do meu Professor fazendo os katis. Ele estava falando outro dia sobre a importância da expressão facial na hora de realizar os katis... Disse que quando ele faz uma apresentação com a espada, por exemplo, ele incorpora a face de um guerreiro mesmo... Eu já o vi fazendo um kati pessoalmente. É algo excepcional mesmo de se ver!”

“O Sidcley é um excelente representante do Kung Fu e do Tai Chi! Você está sendo muito bem instruída! Tem sorte de tê-lo como professor!”

O meu coração ficou feliz!

“Sorte mesmo!” eu disse, e beberiquei um gole do meu café.

“Pessoal, hora de começar a aula!” alguém chamou lá da escada. Subimos de novo. Deixamos os sapatos na entrada da sala de aula e nos acomodamos no tatame. Eu sentei perto de uma das janelas, a que fica mais no fundo da sala de aula. Os raios de sol tocavam o meu rosto com suavidade e aqueciam o meu corpo.

O professor Victor entrou logo em seguida e escreveu no quadro: 


Reino Mutante da Madeira


Reproduzi a anotação no meu caderno.

“Gente, o que eu falei com vocês na aula passada sobre o comportamento criativo do Reino da Madeira?” indagou o professor.

Todo mundo ficou em silêncio. Alguns alunos folhearam seus livros, outros, seus cadernos, em busca da resposta para a questão.

“A expansão da Madeira é criativa,” respondeu um aluno.

“A expansão da Madeira é ordenada e criativa,” adicionou o professor. “Devemos lembrar, pessoal, que a expansão do elemento madeira é feita de um modo criativo, mas que deve ser também ordenado. Na Medicina Tradicional Chinesa, o Reino da Madeira é a representação da energia do Fígado. Mas não estou falando do fígado, o órgão físico pura e simplesmente. Estou falando de toda a energia psíquica e emocional que envolve o que chamamos de Energia do Fígado. A Madeira é o movimento que leva o nosso espírito a cumprir o nosso destino. Ou seja, a Madeira é o movimento que nos conduz até o caminho do nosso coração. Quem representa esse movimento é o vento, pois o vento sopra em constante movimento. É muito importante que a expansão da Madeira aconteça de modo ordenado,” ressaltou o professor Victor. “Ordenado, para não desviar da direção do coração. Quando o espírito foge do caminho do seu coração, gera um grande desgaste no indivíduo. Isso significa que gastar tempo com qualquer atividade que não tenha a ver com o cumprimento do seu destino vai desgastar você.”

Um bonde passou na rua e o professor esperou o barulho cessar para continuar falando.

“E o movimento de expansão da Madeira em direção ao coração, além de ordenado, é criativo. Isso significa que você deve entrar em sintonia com a Força Criativa que a tudo criou e deve ser criativo também, dentro dos dons que foram dados a você por esta Força.”

“Hm...” murmurei.

“Você entra em sintonia com a Força Criativa quando você está criando,” continuou o Victor. “Nos seus momentos de criação, você está manifestando o que você realmente é.”

“É isso aí...” falei baixinho, e desenhei uns corações no meu caderno.

O professor virou-se para o quadro, e escreveu:




Esforço
ou
És força!


“Você deverá observar  se o paciente está vivendo em esforço ou se está em criação. Se ele vive em esforço, ele se desgasta constantemente. Isso significa que ele não está cumprindo o seu destino. Entretanto, se ele vive em criação, ele está se recriando a cada dia no caminho do coração dele. Então tudo está bem. Portanto, a consulta começa quando o paciente entra pela sua porta. Então, você já irá observar a postura dele, o brilho no olhar, a satisfação, ou a falta dela. Essa é a primeira observação que você deverá fazer.”

Depois, o Victor virou-se de novo para nós e explicou, “O Dr. Padilha diz que quando você está em criação constante, seguindo o fluxo natural dos seus dons naturais ofertados pela Força Criativa, então você está se recriando e você está em recreação constante! Então você está feliz, simplesmente porque você está no caminho do seu coração!”

Anotei no meu caderno:


Recriar-se constantemente em recreação.


Fiz um desenho ao lado, onde eu aparecia sentada escrevendo, com um sorriso no rosto. Aproveitei para desenhar umas florezinhas e umas estrelas em volta de mim.

A moça da recepção chamou o professor na porta de vidro para resolver alguma questão da secretaria. Fiquei rabiscando uns esboços de uns dragões que quero pintar em umas camisetas para mim. Quero fazer Tai Chi com camisas personalizadas. De repente, pinto uma com um leque também. Vai ficar legal. Fiz um dragão com a cauda na parte de trás da camisa, o corpo do dragão passando pelo meu ombro esquerdo e a cabeça na parte da frente, perto do coração. 

“Vamos continuar, pessoal,” retomou o professor, e seguiu para o quadro de novo. Pegou um giz verde e escreveu: 


Gan Qi - fígado – madeira – músculos – tendões
vento - expansão ordenada e criativa


“Pessoal, é o vento que move todas as energias celestes pelos canais unitários,” informou o professor Victor.

Imagine um sopro que carrega uma força que vai alimentar todos os nossos canais de energia. O homem é como se fosse um violão cheio de cordas que passam por todo o nosso corpo, desde a cabeça até o dedão do pé. Somos um circuito perfeito de energia! 

Existem vários tipos de cordas e vários tipos de energias que são transportadas por estes rios de energia. Algumas destas cordas chamam-se canais unitários, e carregam energias extremamente vitais – as chamadas energias celestes - por todo o nosso corpo. 

As energias celestes são as energias que vêm da natureza e alimentam o nosso corpo: a umidade, o frio, o calor, a secura, o próprio vento, o fogo. Elas fazem mais do que apenas tocar a nossa pele: elas nutrem os nossos órgãos! É por isso que a sabedoria contida no antigo manuscrito da Medicina Tradicional Chinesa - o Neijing – nos diz,

“O homem não está de modo algum separado da Natureza.”

Com isso, o Neijing nos informa, acertadamente, que o vento, ao tocar a nossa pele, não apenas nos toca, mas sim nos nutre. Assim como o calor, a umidade, o frio, os raios do sol... 
Porém, como o professor acabou de dizer, existe um elemento específico que faz com que essas energias celestes nutritivas realmente sejam transportadas pelo nosso corpo: o movimento do vento (músculos e tendões), que pertencem ao Reino da Madeira.

“Os canais de energia estão sobre os músculos e sobre os tendões,” ressaltou o professor Victor. “Por isso, é preciso relaxar os músculos para que as energias possam fluir melhor por todo o nosso sistema.”

Quando os músculos estão retesados - como uma pedra que retesa o fluxo da água do rio, - o vento ligeiro não pode passar carregando as energias que nos alimentam. Aí o violão fica desafinado. 

O Tai Chi promove esse relaxamento muscular! Além disso, o Tai Chi promove todo um trabalho nutritivo sincronizado com a respiração, o que alimenta de modo ainda mais perfeito o nosso corpo.

Aquela era uma excelente resposta para o que o Professor Sidcley havia me perguntado!

Sabemos que, na Medicina Tradicional Chinesa, o ar também é um alimento de suma importância para a nutrição do corpo: o ar une-se à energia do alimento e, no pulmão, tornam-se uma nova energia denominada Zhong Qi. 

A Zhong Qi é então impulsionada para o coração, que então bombeia esta força vital por todo o corpo. 

Isso acontece o tempo todo no nosso corpo. 

No Tai Chi Chuan, nós estamos relaxando os músculos para que a água do rio flua sem interrupções, e estamos nutrindo o nosso corpo inteiro com uma respiração rítmica e aprofundada. Nutritiva!

No Tai Chi Chuan, estamos contribuindo para que o nosso espírito cumpra o caminho até o destino do nosso coração.

Satisfeita, desenhei um homem forte praticando Tai Chi. Ele estava em união com as forças da natureza, do céu e da terra. O semblante estava sereno. O violão estava afinado e emitia agradável melodia por todos os seus poros. O coração estava tranquilo. A pressão estava equilibrada. Tudo funcionava bem. Os músculos não estavam retesados. Ele gozava de perfeita saúde.

A voz do professor Victor retirou-me da praça de Irajá.

“Milênios atrás, existiu um fitoterapeuta acupuntor chamado Huato, que dizia que uma dobradiça muito usada se desgasta, mas que pior era uma dobradiça que não era usada, porque esta travava. Foi o Huato que criou os primeiros movimentos do Qi Kung e do Tai Chi Chuan, que deram origem a todas as artes marciais existentes...”

“Interessante,” comentei com o Jorge, que estava sentado ao meu lado. O Jorge fez um olhar de aprovação.

“O sábio Huato chegou à conclusão que, à medida que os pacientes se movimentavam enquanto respiravam de modo rítmico, profundo e tranquilo, as energias do corpo se movimentavam com maior liberdade. Assim, o sistema de energia dos pacientes se reordenava de modo inteligente, sem a necessidade nem mesmo da acupuntura,” contou-nos o professor.

Olhei para o Jorge e dei um risinho.

“Então, meia hora de Qi Kung e Tai Chi Chuan aumenta o desempenho das pessoas. Nas empresas, hoje em dia já se sabe que parar os funcionários por meia hora para fazer Tai Chi não é perda de tempo, é ganho de produtividade. No Japão, esses programas de Qualidade de Vida já existem há muito tempo. E, agora, estão por todo o mundo,” comentou o Victor.”

“Viu, Jorge, que legal?” cochichei com o meu colega.

“Isso que ele está falando é muito bom,” concordou o Jorge.

“Quando os canais de energia estão obstruídos, o vento não consegue mobilizar a energia para os canais corretos,” continuou o professor. “Aí o que o vento faz? Ele começa a viajar pelo corpo de um modo desordenado: segue por outros caminhos que não deveria seguir. O que vento desordenado faz? Ele gera as dores erráticas, aquelas que migram pelo corpo: um dia a dor está no ombro, outro dia, no joelho, um outro, na nuca. A tendência do vento será ocupar os lugares vazios...”

“Como assim, vazio?” quis saber um colega.

“O vento ocupa os lugares vazios de energia. Vou te dar um exemplo: se você tem uma mágoa muito grande, então você terá um vazio na energia do pulmão. Quando o vento encontrar um obstáculo no caminho dele, ele vai direto para o pulmão, porque lá estava vazio,” elucidou o Victor.

“Compreendi,” agradeceu o aluno.

“Para a Medicina Tradicional Chinesa,” continuou o professor, “os traumas também são considerados vento. Por exemplo, um trauma no pé é um golpe de vento. Para curar, você puxa deverá puxar a estagnação com a ventosa e depois fazer uma sangria. O sangue sairá escuro...”

E assim a aula continuou com mais aprofundamentos sobre o Reino Mutante da Madeira, formas de diagnosticar os espaços vazios e as pedras no rio (plenitude).

Quando a aula findou, desci as ruas de Santa Teresa com alguns colegas. Na Lapa, nos despedimos e cada um pegou o seu rumo para casa. Eu vim embora de metrô, carregando o meu caderno, o meu maior tesouro, embaixo do braço.

Cheguei rápido em casa. Tomei um banho, comi alguma coisa e me deitei para descansar um pouco, no mesmo sofá onde eu havia repousado no dia anterior, quando ainda não tinha uma boa resposta para o meu Shi Fu.




Acomodei as minhas pernas no alto, sobre umas almofadas, coloquei outra almofada na cabeça. Tampei os meus olhos com o meu antebraço direito. Tenho esse hábito desde os meus primeiros dias de vida - dizem que puxei nisso ao meu pai. E, tranquila, nem vi quando caí em um gostoso cochilo.



Atma