O DIÁRIO DE ATMA – A mensagem de Buda e a poesia do Tai Chi.
(Texto in natura para lapidar mais tarde. Mesmo assim, pedra ainda tão bruta, já há o que se extrair de bom.)
Eu estava praticando yoga. Não estava feliz, porque nada me deixava satisfeita. Nada. Absolutamente nada. Sentei-me e perguntei ao Cósmico, “Por que eu não estou feliz?”
As pessoas se sentem constrangidas de confessarem para si mesmas que não estão felizes, mas é preciso ter esse tipo de sinceridade consigo mesmo quando se quer encontrar respostas com raízes profundas.
Fiz alguns asanas de yoga, com o auxílio de um instrutor... E comecei a me sentir melhor. Em determinado momento, algo que me pareceu um túnel de energia abriu-se na altura do meu coração e então eu vi a imagem do Senhor Buda, com o corpo laranja e a cabeça dourada. Ele então me fez sentir a energia do meu coração, que é quem Eu realmente sou...
Eu senti que tinha o corpo, mas que esse corpo é um veículo maravilhoso para que eu (meu coração) possa viver neste mundo pelo tempo que irá viver. Será impossível para o leitor compreender o que eu senti... Apenas quando se sente é que se consegue entender... E, para cada um, a experiência é diferente...
Buda então me disse, “Esteja tranquila. Você pode querer coisas no mundo, ter os seus sonhos, querer um relacionamento, querer objetos, ter objetivos, você pode fazer tudo isso. Mas... não se esqueça de que você é esta energia... que reside no seu coração. É isso que você é, independente de qualquer projeto, sonho, conquista, gosto ou desgosto. Você já tem tudo no seu coração.”
Na verdade, Buda não me disse isso. Buda me fez sentir isso... E foram os segundos mais intensos que não me lembro de ter tido há muito tempo... Libertadores! Geradores de felicidade perfeita! Harmonia!
Foi maravilhoso poder sentir por alguns segundos a energia do Eu Sou... como eu posso me desconectar tantas vezes, dessa minha real fonte de energia?!
Dias depois, eu escrevi uma Carta para Deus. Pedi auxílio para me sentir mais feliz. (Apesar do relance de percepção que Buda me trouxera, eu voltara a me sentir infeliz em poucos dias.)
“Senhor misterioso Deus, por favor me auxilie! Rogo uma intervenção divina! Eu percebi que eu não consigo ficar feliz por muito tempo com as minhas conquistas. Estou sempre querendo conquistar mais e mais! Isso arruína com a minha paz! É terrível! Exemplo: acabei de conseguir comprar um computador que há mais de um ano eu precisava (o Senhor sabe melhor do que ninguém). Durante alguns segundos, estive totalmente feliz, mas logo em seguida comecei a pensar no monitor bem maior que eu iria comprar e aí sim a minha felicidade ficaria completa. Claro... um monitor bem grandão para eu construir os meus bonequinhos no Maya 3D... ahahha! Eu haveria de compra-lo logo! E então minha felicidade seria mais perfeita! Mas não bastaria isso também, não. Ficaria faltando também a impressora a laser, claro. Sem ela a minha felicidade não poderia estar completa completinha. E então eu entrei em um ciclo de quereres intermináveis que me deixou muito infeliz. Eu não estou conseguindo agradecer por nada que eu tenho. Estou o tempo todo com essa sensação estranha de que eu nunca tenho tudo o que eu queria... Que me faltam muitas coisas. Quando eu vou conseguir todas as minhas coisas, aquelas que eu preciso para ficar totalmente tranquila? Me ajude, Deus. Afinal, eu sou sua filha. Amor, Atma.”
Eu não sei se um dia vou conseguir atingir esse estágio de ficar realmente em Santosha (contentamento). Mas, pelo menos por alguns segundos, naquele dia da yoga, eu tive um vislumbre do que é viver em Santosha, o perfeito contentamento. Santosha simplesmente por eu ser quem eu sou: essa força que irradia do meu centro de energia cardíaco. Força que nenhum namorado, noivo ou marido jamais poderá “completar”, força que nenhum amigo poderá “reforçar” nem “alegrar” e que nenhum inimigo poderia “destruir” nem “abalar”. Força perfeita que paira acima de todas as ansiedades, quereres, medos, incertezas, ciúmes, aflições, tormentas, superalegrias, supercombinados, superisso, superaquilo. Para o coração, não existe super. Super é excesso. E o coração é um lugar simplesmente tranquilo. Sem risadas forçadas de quem finge estar “super” feliz. Sem choros exagerados de quem finge estar mais triste do que está para chantagear. O coração é sereno e livre de altos e baixos.
Enfim... Santosha é estar sempre feliz com o que você tem. Mas não com os objetos que você tem ao seu redor. Não com atenção do namoradinho ou do maridão ou dos filhos, da vovó, do vovô, dos sobrinhos queridos, dos filhos, dos netos, bisnetos, fiquetes, peguetes, amantes, nada disso. Estes irão embora, um dia, mais cedo ou mais tarde, seja pelo motivo que for. E você deverá estar feliz por isso. Porque você estará tranquila no seu santosha. E essa é a sua confiança na vida: tudo pode se abalar ao seu redor, mas você está no seu ponto de infinitude: o seu coração. Este é o único abrigo confiável. Não seja tola: não se iluda. Jamais delegue a chave da sua felicidade na mão de ninguém. A sua felicidade é responsabilidade somente sua. Não é cruel. É realidade pura. E isso é algo muito bom. É a mais perfeita segurança, na verdade.
Caminhando hoje cedo, decidi fazer tudo diferente por um dia. Meu coração estava apertado e eu não sabia por quê. Mais tarde, eu viria a saber o motivo... A filha de uma amiga estava internada (coisa grave) e viria a ser operada de emergência... Essas coisas da vida que nos pegam de surpresa e nos “roubam a alegria”. É de se compreender perfeitamente. Eu mesma, à distância, antes do celular tocar, antes do email chegar, já havia sentido o dedilhar da informação chegando pelas ondas invisíveis do holograma de luz onde tudo que existe é...
Mas, pela manhã, eu apenas me sentia “angustiada”. Fui caminhar e entoar Gayatri, rogando iluminação do meu intelecto. Segundos depois, comecei a ouvir o sopro da sabedoria do Neijing, ecoando em meu espírito: “O homem não está de modo algum separado da natureza”. Decidi seguir o fluxo e ir caminhar por novas bandas. Mudar o trajeto. Fazer tudo diferente. Sair da rotina. Fui caminhando, pensando na frase que continuava ecoando... ia observando a natureza e observando o abalo da energia em meu coração... Um abalo na força... Que seria? Não consegui perceber. Então entoei mais Gayatri rogando serenidade em meu coração...
Mais alguns minutos de caminhada e me deparei com uma praça, por onde não passava havia algum tempo. De longe, pude avistar um grupo de pessoas praticando Tai Chi Chuan. Era tudo o que eu precisava para me acalmar um pouco, alegrar o coração. (Isso por causa da minha ignorância de achar que algo externo pode me acalmar, enquanto eu tenho essa calma o tempo todo dentro de mim. Eu sou essa calma.)
Aquele pequeno grupo de senhoras faziam poesia com seus movimentos... Com que leveza se movimentavam. Seus semblantes estavam imbuídos de uma calma, uma tranquilidade... Faziam, juntos, uma espécie de coreografia... Viravam para a esquerda, para a direita... levantando a ponta de um dos pés, leves como garças, enquanto levavam as mãos ao ar e, ao atingir o topo, faziam ligeiro e brusco movimento com o pulso, fazendo abrir o leque de supetão, o que produzia um efeito sonoro bem interessante. O Tai Chi Chuan representa de modo perfeito a dramaticidade da vida, com seus movimentos ora mais lentos, ora um pouco mais firmes, o som dos leques que se abrem num repente, o vento que se agita nas calças largas de algodão, os cabelos dos alunos que balançavam ao vento, os movimentos precisos, a perfeita comunhão entre os alunos da turma... o cheiro da praça... o som de alguns pássaros da manhã, o barulho do ônibus que parava no ponto da praça, pegando o pessoal para levar para o trabalho, pessoal que seguia curioso, espiando até bem longe o pessoal do Tai Chi Chuan... Que misterioso prazer, deviam pensar os mais jovens, esses senhorezinhos devem sentir em ficar aí se movendo tão devagarzinho prum lado e pro outro, que negócio mais sem tempero! Qual nada... Tremenda é a movimentação do Qi (energia) ao ritmo da respiração... Eu os admirava, segurando meus dedinhos nas grades que me separavam daquele grupo de Tai Chi Chuan. Queria fazer parte de um grupo de Tai Chi havia tempos. Por quê nunca iniciava? Talvez ainda não fosse o meu tempo. Talvez por mera preguiça. Mas hoje eu queria fazer coisas diferentes. A vida é tão efêmera, essa vida manifesta. Pensei que se eu tivesse que morrer em breve uma das coisas que eu jamais poderia deixar de ter experimentado em vida era o prazer do Tai Chi. Não! Eu não haveria de morrer pensando, “Poxa, por quê eu nunca comecei o meu Tai Chi?” Pensei em minha vó, já morta. Quantas vezes falei para ela praticar uma atividade como essa. “É de graça, vó! É na praça! Tem outras velhinhas lá para te fazer companhia. Fazer amizade. Venha, eu vou contigo!” Mas minha vó nunca que ia. Tornara-se muito idosa. As pernas lhe doíam. Ela simplesmente não queria. Não teve jeito, nada a convencia. Mas e eu? Ainda aqui, viva, vivinha. Jovem ainda. E eu? Por quê não começo o meu Tai Chi? E o que é essa emoção, essa vontade que me dá de chorar toda vez que eu vejo um grupo de pessoas praticando o Tai Chi? Emoção forte, que vem da alma, me emociona, me emociona demais... É como se fosse uma lembrança, de algo que vivi... Especialmente a dança do Qi com os leques... Sim, há de ter sido algo que eu vivi... Mas não é por isso que eu quero fazer o Tai Chi. Tem muitas coisas que eu vivi e não hei de querer repetir. Mas o Tai Chi é algo muito bom. Algo que ativa o meu coração, esse meu centro de energia... Os meus dedos estavam agarrados às grades e eu observava o grupo. De que cor eu ia querer um leque para mim? Alguns ali tinham leques pretos, outros vermelhos, outros azuis. Ah, não! Definitivamente eu não ia querer um leque azul! O meu teria que ser daquele preto grandão, com um ar de mistério! E a calça? Preta e esvoaçante. Fiquei imaginando o meu figurino externo... até os brincos que eu iria usar. Não sei por quê, mas eu cismei que os brincos teriam que ser longilíneos, daqueles que descem em uma ponta amolecida quase até os ombros e balançam ao vento. Prateados, com certeza. Onde eu poderia comprar um desses? Daria uma passada no shopping dia desses. Mas que coisa boba! Querer se enfeitar toda para fazer Tai Chi. Mas é isso aí, mesmo. Tai Chi são as coisas simples da vida. E eu não hei de me enfeitar só quando tiver um dia importante. Dia importante é todo dia! Passarinho não canta todo dia, com o amanhecer do sol? Então eu também! Também vou colocar os meus brincos, usar a minha calça preta esvoaçante, a minha blusa escrito “Tai Chi – simples como a vida deve ser”.
O meu coração se recusava a me deixar sair dali. Eu só estava caminhando havia vinte minutos. Ainda faltavam quarenta para somar uma hora de caminhada, meta de todo dia. Mas... que adiantaria seguir adiante, andando feito uma distraída, enquanto o meu coração queria ficar ali? O Tai Chi é bem devagarinho, mas, ah, que bonita poesia! Eu podia deixar para queimar as minhas calorias dali a pouco. Pronto, eu ficaria! Soltei as mãos que me agarravam à grade e, sem medo de que eu fosse embora, continuei em pé ali, chorando e olhando para aquele grupo. Não procurei mais entender o que acontecia no meu coração. Simplesmente me deixei chorar, e sentir aquela alegria. Não me preocupei, porque da distância onde eu estava as pessoas não poderiam ver que eu estava chorando. Então, chorei e chorei.
Os leques de novo. Txá, txá, txá! Como produziam um impacto dramático infalível! Mas tinha que ser feito com classe, em perfeita harmonia com os movimentos do corpo. Fiquei imaginando que graça seria o meu desengonçado nas primeiras aulas minhas! Mas, tudo bem. Tai Chi é uma coisa para toda a vida. Acho que foi por isso que demorei a me decidir, porque sabia que, uma vez tomada a decisão, seria algo para o resto da minha vida.
Agora vou dormir cedo (para quebrar a rotina). Amanhã tenho a minha primeira aula de Tai Chi. Sim, no final da aula, aproximei-me do grupo e perguntei como eu fazia para participar das aulas.
“É só chegar aqui toda quarta e sexta às oito da manhã!” anunciou agradável senhora loirinha.
“Aqui está o cartão do nosso grupo de Tai Chi,” entregou-me Beth, a coordenadora do blog do grupo. Ela era a comunicadora: ela que agita o site, o blog, os vídeos no youtube.
“Ah, que legal, tem isso tudo?” me animei.
“Tem, sim!” respondeu Beth, cheia de energia.
Explicaram que era só eu chegar toda quarta e sexta, das oito às nove e participar. Eu ia perguntar se precisava comprar um leque mas, antes de eu fazer a pergunta, elas me explicaram que a aula de hoje era uma aula para um grupo mais antigo, uma aula especial de leques e que era melhor eu começar às quartas, com os iniciantes.
Descobri que tem gente que faz Tai Chi ali há dez anos. A Beth faz há cinco anos. E eu começo amanhã. Na verdade, amanhã não terá muita aula, porque é o aniversário de 50 anos de uma senhora que faz aula ali há muito tempo. Elas me convidaram para ir. Fiquei pensando que engraçada sintonia de eu já vir chegando no aniversário de meio século dessa senhora... Me desculpe, meu amigo, mas, por mais que eu tenha tentado ao máximo virar uma cética perfeita, eu já não posso mais acreditar em coincidências. Tudo acontece por uma razão. Sendo assim, separei duas telas a óleo que pintei há um tempão e, olha só, eu tinha esquecido lá em Miguel Pereira em um canto! (Pois tinha deixado lá para secar o óleo da tela.) Esse final de semana eu as encontrei, e trouxe comigo, pensando que ia presentear alguém com elas na primeira oportunidade. E olha que legal, eu não sabia que tão rápido a oportunidade viria!
Voltei para casa caminhando, contente da vida, mas logo a energia do Neijing retornou, “O homem não está de modo algum separado da Natureza”... Sorri... E veio-me de novo a imagem do Senhor Buda, todo laranja, com sua cabeça bem dourada no topo, cobrindo-lhe os cabelos, “Não pense que agora você encontrou a sua felicidade, agora que encontrou o seu momento com o Tai Chi. A felicidade sempre esteve dentro de você, independente de qualquer coisa. Nada de entrar no padrão de protelar a felicidade perfeita para amanhã.”
“Hm... é mesmo...” observei-me, iluminadamente, para dentro. “Amanhã não será um dia mais do que feliz. Hoje foi, quando os encontrei. Agora está sendo, porque eu fiz algo que estava para fazer há muito tempo. A minha felicidade está dentro de mim de modo independente mesmo das práticas mais abençoadas, como a Yoga ou o Tai Chi. Essas práticas são caminhos para facilitar a percepção desta energia. Mas a energia está sempre aqui.
Deus me permita preservar esta percepção e esta sensação contínua. Para que eu viva feliz acima de todas as minhas preocupações, aflições, medos, angústias, inseguranças, mega felicidades, super combinados, decepções, desilusões, novas amizades, novos empreendimentos, sonhos, conquistas. Tudo é maravilhoso, perfeito e está em harmonia quando eu consigo sentir isso dentro de mim: o Eu Sou. Santosha. Eu perfeita apenas em mim – muito mais do que a imagem que eu posso ver no espelho. Muito mais do que os sonhos, pensamentos ou visões. Eu sou muito pura. Essa pura energia...
Agora estou feliz. Agradeço por ser capaz de agradecer. Estou acima das coisas do mundo. As coisas do mundo não abalam quem eu realmente sou. Pode vir o que vier. Que venham coisas boas ou ruins. Já não existe mais o bem e o mal. O homem não está, de modo algum, separado da Natureza de Deus.