OITO PUNHETAS POR DIA_ANTIBIÓTICO ANTIVIDA.


“E aí? Tem passado a bucha na cara como eu te falei?” brincava Paulo comigo, por email. Já digitando uma resposta à altura, dei uma gargalhada.

Semana passada eu estive com o Paulo, o meu amigo que está com o problema da bactéria super resistente. (Ele veio até o Rio e nos encontramos.) Levei comigo um vidro com um litro de beldroega que eu havia curtido no álcool de cereais especialmente para ajudá-lo, e levei também 50 ml de mulungu, planta que ajuda a devolver a alegria de viver. Levei o mulungu pois estava ciente de que qualquer processo auto-destrutivo tem origem em uma falta de vontade de continuar vivendo e, então, literalmente a pessoa começa a destruir o seu corpo físico para partir desta dimensão.

"Vamos fazer um Reiki, Paulo?" sugeri. No quarto do hotel em que ele estava hospedado, pedi que ele deitasse e fechasse os olhos. Fui ao toalete, lavei as mãos, e retornei, abrindo os chakras das mãos com os símbolos do Reiki. Todos eles. Perguntei, "O que te deixar mais triste nessa vida?"

Paulo comprimiu um pouco os olhos, ainda cerrados, mas não hesitou em responder: "Essa grande farsa que o mundo é! Toda essa mentira..."

Fiquei satisfeita porque, pelo menos, ele sabia muito bem o que o deixava mais angustiado: a conspiração mundial. De fato, toda a massificação dos noticiários do mal, todas as guerras, todos os motivos obscuros por detrás das ações humanas... guerra por dinheiro, por poder. Destruição, mortes, falcatruas. Realmente, o mundo poderia ser um lugar muito assustador onde um ser mais sensível, mais sincero, não gostaria de viver.

O foco do Paulo estava no lado ruim do planeta Terra. Pedi a ele que, durante o tratamento, ele parasse de ouvir os noticiários com tanto interesse, e parasse também de acessar sites na Internet sobre a conspiração da Nova Ordem Mundial, o fim do mundo em 2012 e assuntos do tipo. Afinal, sempre, desde que o mundo é mundo, todo mundo já nasce pré-destinado a morrer. Só que agora colocaram uma data para isso! - o que pode causar um desgosto mesmo de se viver. Fora isso, toda a mentira que se pode verificar...

"A verdade estará apenas dentro de você... Conviver com a tristeza. Aprender a aceitar a dualidade do mundo, que às vezes nos parece uma grande farsa, uma grande mentira. O seu tratamento para reestabelecer a cura será esforçar-se para ver o lado bom do mundo. Todas as coisas boas que puder ver. Não precisam ser coisas grandes. Pode juntar um monte de coisas boas simples. É isso que eu quero de você," pedi.

"Posso fazer isso..." disse meu amigo.

"Faça isso," falei, "E a beldroega estará ajudando você! Ela é um antibiótico poderosíssimo!" garanti.

Paulo sorriu, satisfeito, mas eu sabia muito bem que a cura dependeria da permissão dele, de recuperar a vontade de viver.

"Vamos jantar, então?" sugeri, terminada a sessão de Reiki.

Ainda com movimentos lentos por causa da sessão, o Paulo levantou-se da cama.

OITO PUNHETAS POR DIA

Descemos para jantar e a conversa seria animada e profundamente filosófica, como sempre. Fizemos o nosso prato no self-service do restaurante e sentamos para comer.

"Sabe uma coisa engraçada que eu estive pensando esses dias, amigo?" falei, "Como seria engraçado se eu vivesse um dia fora da referência de procurar ser sexy," revelei.

"Você se preocupa com isso?" perguntou ele, com um leve ar de surpresa. “Você?...”

""Ué, eu sou mulher! Ah, sim, me preocupo sempre em estar bonita quando saio na rua!" afirmei.  “Bonita, não. Linda!”

"Te confesso que essas ruguinhas nos cantos dos meus olhos estão me deixando desesperado!" confessou Paulo.

"Sério?" perguntei. "Não imaginei que você se importasse com isso."

"Me importo, sim. Na verdade, fico desesperado," confessou Paulo. Você também deveria passar um cloro nessa sua cara, para eliminar todas essas manchas de sol na sua pele!" falou ele, fazendo-me achar graça do excesso de sinceridade.

Passei as pontas dos meus dedos na minha pele, alisando-a. "É que eu andei pegando um pouquinho de sol sem protetor solar..." disse, como se estivesse confessando um crime.

"Não! Sol não pode de jeito nenhum!" afirmou Paulo categoricamente, com sua pele branca como verniz e perfeitamente sem manchas.

"Eu até ligo para as manchas, mas não tenho mais paciência para passar protetor solar, creme todo dia," reclamei.

Olhei bem fundo nos olhos do Paulo. Ele fuma maconha. Transa com todo mundo que quer porque é solteirão. Não tem problema nenhum com dinheiro, até sobra. Mas vive sempre angustiado. Me confessou certa vez que toca em média quatro punhetas por dia, às vezes chega ao número de oito. Morre de medo de envelhecer. Acha o mundo esquisito, mentiroso.

“Já provei de tudo. Tenho tudo o que quero, e isso não me satisfaz. Onde está a felicidade, então?”, rogava o olhar dele, desesperado.

Coloquei mais uma colherada de legumes na boca e lembrei-me de novo da Voz da Floresta, quando ela me disse: "As pessoas esticam suas peles porque querem atenção. Eles têm medo de perder a atenção. De perder o amor. Acham que receber atenção é receber amor."

Lembrei-me também da palestra da Rosa Cruz que ouvi certa vez, quando o palestrante nos perguntou "Quem pode me ver?" Todos levantaram a mão, respondendo que, sim, podíamos vê-lo. Então ele nos disse, "Errado. Vocês não podem me ver porque eu sou invisível. Vocês só podem ver a minha casca, a minha manifestação externa."

"É até bonito ter algumas ruguinhas nos olhos, Paulo," disse eu, com sinceridade.  “Dá um charme.”

"Não!" recusou ele. "Eu vou fazer igual à minha irmã mais velha: vou colocar Botox na testa para congelar o movimento do meu rosto. Assim, eu não vou ficar levantando as sobrancelhas e não vou criar mais marcas de expressão," disse ele, convicto.

"Que doideira," falei, e fiquei quieta, porque deu para perceber que nada que eu pudesse falar iria alterar a vontade dele.

"Doideira nada! Cloro na sua cara, Atma! Para curar esse fotoenvelhecimento!" brincou ele, fazendo um movimento com a mão, fingindo que estava passando o creme no meu rosto, esfregando com uma bucha.

Eu tive que rir, e era mesmo estranho observar o quanto nós éramos seres ditos “espiritualizados” mas que nos importávamos tanto, na verdade, com a nossa estética, com a parte material. Não me chateei com isso. Sabia que era parte do processo. E a companhia do Paulo estava mesmo muito divertida. Com aquele drama todo, ele me fazia rir.

Com o passar dos anos, havíamos criado intimidade o suficiente para conversar sobre os mais variados temas, incluindo temas como sexo, que víamos com naturalidade. Mas sempre nos surpreendíamos com novas visões de nós mesmos.

O dia-a-dia do Paulo era algo mais ou menos assim:

Acordava todo dia lá pelas onze da manhã ou meio-dia. Não precisava trabalhar muito, porque ganhava bastante dinheiro sem precisar se esforçar. Ao entrar de novo na consciência do corpo físico, suas mãos logo procuravam seu genital e começava a apalpá-lo. Era a primeira punheta do dia. Sentava-se na cama, aliviado, mas também se sentindo drenado. Uma parte dele irritava-se com ele mesmo. Por que ele não parecia mais comandar a própria vontade? Os vícios lhe dominavam! Com os pés, apalpava o chão gelado até encontrar os chinelos. Pensava em ir tomar café, mas sempre se sentava primeiro na mesa do computador e apertava o botão para ligar a máquina. Enquanto o processador iniciava, Paulo puxava um cigarro para fumar. O quarto começava a ficar abafado e, ainda com o cigarro pendurado na boca, ia até a janela e a escancarava. Jogava o cigarro na rua, mesmo sem terminar, e ia para a cozinha. Tomava um copo de café, comia pão integral, frutas, ovos mexidos, leite. Irritava-se com pequenas coisas na cozinha. Irritava-se com a empregada. Depois se lembrava que precisava se manter em um padrão vibracional positivo e voltava para o quarto onde, isolado, poderia passar o dia em paz. Trancava a porta e o computador já estava iniciado, prontinho para acessar a internet. Tinha que ver se alguns clientes importantes responderam seus emails mas, antes, aquele comichão começou a tomar conta dele novamente: decidiu dar uma espiadinha em um site de mulher pelada. Entrou, olhou várias, de todas as cores e tipos. O sexo começou a dominá-lo de novo. Abriu um vídeo com posições eróticas variadas. Estava acordado havia quarenta minutos e já batia a segunda punheta do dia. Dava para perceber que aquele era um dos dias em que ele estava atacado e bateria facilmente a cota já habitual de oito punhetas.

"Mas oito, Paulo? Não é demais, não?" perguntei eu, procurando não colocar nenhum tom de censura em minha voz. Cada um faz o que quer, penso isso há muito tempo. Mas parecia que aquele sistema de vida estava drenando com as energias dele. E não era por falta de sexo de verdade. Ele tinha sempre várias mulheres. Entrava em sites de paquera e marcava. Era solteiro, podia fazer o que quisesse.

"O negócio é que praticar tanta masturbação drena com a sua energia vital..." disse eu... tentando buscar na memória palavras que eu tinha ouvido no curso de Medicina Oriental.

Paulo riu, fazendo graça, mas eu vi uma agonia nos olhos dele.

"Eu acho que eu sou extremamente infeliz, Atma," confessou-me. “Eu tenho crises de ansiedade. Nada parece me fazer feliz. Nada!”

“Mas você tem tudo o que quer. Faz tudo o que quer...” falei, só para faze-lo refletir ainda mais.

“Pois é...”

Não me espantei nem um pingo de ouvir a confissão de infelicidade dele. A vida pode mesmo ser extremamente chata às vezes. Alguns dias, insuportável. Quando se ouve a história do bebê de uma amiga que morreu afogado. Quando se ouve tanta desgraça no noticiário. Eu só acredito na felicidade em pequenas doses. Mais do que isso, na escolha pela felicidade a cada instante. Você pode deixar a urucubaca se instalar, ou pode focar em coisas boas, coisas que te dão prazer, coisas que você ama de verdade. Se afastar das mentiras. Se livrar das falsidades. Disse tudo isso para o Paulo. Ele me olhava, pensativo.

"Eu acho que você está na crise da meia-idade," brinquei. Ele riu, e ficou mexendo na comida, sem vontade de comer.

"Paulo, se você fizer sempre as mesmas coisas todos os dias, terá sempre os mesmos resultados," falei. "Você já experimentou todo esse excesso de liberdade desregrada e viu que isso não te traz felicidade. Ao contrário, você está muito angustiado! Até quer morrer!" falei, apontando para o nariz dele, onde eu ainda podia ver as bolas prateadas aglutinadas.

"É..." falou ele, com pouca vontade. "Preciso mudar..."

"Faça uma experiência. Acorde todos os dias sem tocar punheta, sem fumar cigarro, sem ligar o computador. Abra os braços, respire, coma alimentos bons para você. Sinta-se cheio de energia! Pense em alguma coisa que te deixe feliz e te faça ter vontade de viver, de passar o dia. Recorte e cole imagens no seu quarto, isso vai te ajudar a visualizar melhor."

Um brilho de interesse surgiu no olhar do meu amigo.

"Lembre-se desta frase: se você fizer sempre as mesmas coisas todos os dias, terá sempre os mesmos resultados! Se quiser ver resultados diferentes, é muito simples: apenas altere a sua rotina! Saia para caminhar! Lembre-se de que não existe julgamento de nada que seja bom ou ruim! São os excessos que prejudicam."

Paulo visualizou alguma coisa, porque abriu um sorriso no olhar.

"Você vai fazer essa experiência?"

"O seu método de cura é bem diferente do convencional," disse ele. "Se o meu pai te ouvisse, ia te achar uma malucona da silva," brincou. (O pai dele é médico do estilo antiquado.)

MUDANÇA DE PERSPECTIVA

"Eu também vou mudar as minhas referências ao longo do dia. Não me importar se estou sexy ou não. Olhar as pessoas apenas como seres humanos, e não como homens e mulheres. Viver as situações independente de sucesso ou fracasso. Amor ou Guerra. Amar o meu corpo do jeito que ele é."

"Eu gosto do seu corpo."

"Mas eu não. Acho que sou muito gorda!"

"Mulheres!"

"Mas eu quero sair desse padrão de pensamento, por mais que eu saiba que a ele eu ainda me prenda! Eu vou fazer isso e depois eu te conto o que aconteceu. Vamos fazer isso juntos, ao longo da próxima semana, Paulo?"

"Me parece um bom desafio," concordou ele.

"Então está combinado!" prometi.

BOLHA VERDE TRANSLÚCIDA

Depois de ler o email do Paulo, li de novo o email do professor Enilson, repassei a resposta para o blog e fiquei estatelada na cadeira, olhando para a tela do computador. A palavra antibiótico, que eu havia selecionado para ser o título do Diário anterior, agora me saltava aos olhos feito incômodo letreiro de algo desagradável.

"Anti-bio... anti-vida... Que tipo de visão mecânica é essa da qual não consegui ainda me libertar? Sempre essa visão cuja referência é o conflito!"

"Você tem medo dos processos naturais da vida, Atma..." sussurrou-me a Voz da Floresta, certa vez. "Mas a Natureza não vai agredir você. A Natureza não agride. Toda vez que ocorre um deslizamento, verifique que não são apenas os homens que 'morrem'. São também centenas de animais, vegetais, e outros seres... É natural da vida..."

O letreiro anti-vida continuava piscando diante de minha íris.

Eu só podia rir da minha resistência mental. Depois de todos os cursos que fiz... Shiatsu, iridologia, reiki, florais, fitoterapia, medicina tradicional chinesa... a referência da luta ainda ecoa com força dentro de mim.

"Saco! Sou uma ocidental mesmo, por mais que queira adotar trejeitos orientais!" repreendi-me. Outro dia eu torci o nariz quando vi um comercial na TV que mostrava uma mãe dedicada com seu filho limpíssimo. Dentro de uma bolha verde translúcida, a mãe cuidadosa ensinava seu filho a lavar as mãos repetidas vezes com o sabonete que combate gérmens e bactérias. A bolha verde translúcida era a grande jogada de marketing da propaganda, que prometia a diminuição de 70% das doenças com o uso do produto.

Entoei alguns Gayatri, pedindo mais iluminação ao meu intelecto. Lembrei dos meus professores com carinho, como é bom ouvi-los sempre! Eles me ajudam a descontruir as antigas imagens e repô-las com informações novas. Sohaku, Victor, Eva, Eliane, João, Enilson...

Fui para a área de serviço estender a roupa. As lentilhas cozinhavam na panela de pressão. O nenenzinho do 204 comia um pedaço de pão, de pé na janela, enquanto segurava-se com a outra mão na grade, apoiado pela babá. O neném estava fofo, com um pijama cheio de bichinhos, a pele branca como seda e os olhos grandes e azuis. As janelas estavam abertas, então eu podia ver o quartinho dele, todo decorado em azul, com prateleiras recheadas de bichinhos de pelúcia azuis, verde-claros e brancos.

"Psiu!" chamei-o, para mandar um beijinho. O neném me olhou, mas não sorriu. Eu teria que me esforçar mais. Então, mergulhei a minha cabeça para baixo, escondendo-me por detrás do muro da área. Andei agachada até o outro lado da área e, de lá, reapareci, abrindo bem a boca e arregalando os olhos.

O garoto parou de mastigar o pão, ouriçou as perninhas, contente, e seus olhinhos brilharam igual faróis luminosos.

"Achooou!" falou a babá, entrando na brincadeira.

Mergulhei de novo no muro, desaparecendo, e ouvi aquela risadinha de criança. Quando reapareci, os olhinhos do menino me procuravam e, quando ele me viu, jogou os bracinhos para o alto e soltou sonora gargalhada. Eu ri também, surpreendida com aquela gargalhada barulhenta. Brinquei mais umas três ou quatro vezes e depois dei tchauzinho para continuar com os meus afazeres na área.

Eu tinha que enxaguar, no tanque, umas peças de roupa que não davam para bater na máquina. Tinha um copo de vidro que eu havia colocado na janela, bem em frente ao tanque. Era um copo com um pequeno galho de beldroega dentro, cheio com água até a metade. Eu havia colocado a beldroega ali para criar raiz na água e então passá-la para um vaso maior, com terra.

Esmeralda me trouxera a beldroega de Niterói havia duas semanas, porque eu queria fazer um antibiótico poderoso.  Um amigo meu estava com uma bactéria resistente havia mais de um ano e, depois que eu soube do caso, mobilizei-me para ajudá-lo.

Mas... preciso confessar que... aquela era a primeira vez que eu olhava para aquela planta e sentia-a como um Ser Vivo. A beldroega era, antes, apenas um remédio, algo que eu precisava deixar crescer, depois colocar no jarro, fazer proliferar para depois macerar (picar), conservar no álcool para virar remédio de sangue verde. Eu estava no modo automático, sentindo a vida sem a profundidade verdadeira.

Olhei para a beldroega, "Você é um ser vivo!" emanei. Pela primeira vez desde que ela chegou, pude senti-la sorrir.

Terminei de lavar as minhas roupas no tanque e ouvi o Ser Beldroega dizer-me:

"O contato com o Reino Vegetal é algo que transcende muito além da atual percepção mecanicista," vibrou o Ser, que então me deixou ver e sentir uma série de imagens, as quais não consigo traduzir em palavras perfeitamente. Era algo como... eu estava em um lugar... E eu vivia com muitas plantas ao meu redor. As plantas viviam como seres vivos que eram, e tinham o mesmo direito à vida que qualquer outra espécie existente. A conexão entre as plantas e eu não era de remédio. Eu não ficava pensando, o tempo todo, "para quê você serve?" "Você é boa para curar o que?" Cada planta vivia, dentro de suas características plenas de Seres que eram... Eu as compreendia, a todas elas... De remédio nenhum eu precisava, nem nenhum outro homem que ali vivia, porque a nossa mente estava completamente sã...

“Como curar a minha visão?” indaguei.

“Dando tempo para confiar nos processos naturais da vida... Seguindo, aprendendo, observando, ouvindo os bons mestres... Deixando a água fluir. Deixar a semente florescer. Deixar a cura acontecer pela respiração. Com os mantras. Viver bem. Aceitar a felicidade.”

Lembrei-me da minha planta de estimação, a dracena.

"Como você está, minha amiguinha?" perguntei, sem precisar fazer uso das palavras faladas. "Precisando de água?"

Minha dracena estava um pouco magoada comigo. Eu não tinha lhe dado atenção direito nas últimas semanas.

"Como você é temperamental!" falei. "Já sei!" Levantei-me, fui até o meu quarto, e voltei com um aparelho de som. Liguei-o perto da dracena e coloquei uma música suave. Ela não resistiu: vibrou de felicidade! Dei uns beijos em algumas de suas folhas. "Estamos de bem, minha querida dracena?"

"Eu não sou sua," disse-me a planta, para me instruir, mas bem que ela gosta que eu seja a guardiã dela.

"Então tá bom," concordei, "Vamos acabar com esse bate-boca e ouvir a música. Aceita um pouco mais de água?" ofereci, já derramando mais um pouco do líquido. Tornei-me subitamente consciente de que tudo ao meu redor era absolutamente vivo, consciente, vibrante, que eu não poderia jamais possuir nada que era vivo, mas que eu fazia parte de toda aquela energia...

A energia das plantas se doava para nós para se integrar harmoniosamente ao Reino Humano e atuar de diversas maneiras em nosso sistema de energia... de um modo muito mais completo do que poderia ser descrito em palavras por qualquer homem... As plantas se doam, em uma comunhão amorosa...

Passei um tempo na companhia da dracena e depois voltei para o computador, onde a resposta do professor Enilson ainda piscava na tela luminosa, anúncio de algo que agora eu podia compreender melhor.

YOSEF

Lembrei do Paulo fingindo que passava uma bucha na minha cara, com cloro, para limpar as minhas manchas de fotoenvelhecimento. Dei uma gargalhada, achando que estava sozinha no quarto.

"Você não tem uma cara, Atma, tem um rosto. E um rosto lindo," disse Yosef Astrat, meu mentor espiritual, aparecendo subitamente no meu quarto, em espírito.

"Yosef! Que alegria te ver!" sorri, e todos os meus chakras se abriram como flores na primavera.

"Está na hora de trabalhar," instruiu-me.

"Já vou, já vou," prometi, enquanto respondia um outro email rapidinho. Despedi-me de duas amigas no MSN, que reclamaram, "Ah, sua anti-social!" Já sabiam muito bem no que ia dar: eu, trancada em meu quarto, por pelo menos quatro horas, incomunicável. Foram embora pela rede do computador, deixando carinhas de protesto mas também coraçõezinhos e flores antes de partir. Havia também um email engraçado do Paulo me fazendo prometer que eu iria fazer esfoliações no rosto todo dia antes de dormir.

"Amigos..." ri-me. "São criaturas engraçadas, não, Yosef?!"

Yosef nem me respondeu. Estava de braços cruzados, parado do meu lado. Um amor gostoso emanava de seu peito, apesar daquele bico. Um amor sem fingimentos. Um amor sem falsos gestos. Um amor que esperava de mim o que eu podia oferecer. Um amor que não me culpava nem às minhas manias e imperfeições. Um amor assim, angelical.

"Tá, Yosef! Tá, tá! Vamos trabalhar então!" fiz-me como se estivesse aborrecida. Mas, pela cor da minha alma, pela vibração do meu espírito, Yosef Astrat sabia muito bem o quanto aquele serviço - escrever - me fazia naturalmente feliz! Perfeitamente feliz!

Com amor,
Atma :))