Oi, Diário! Bom dia!
Hoje acordei com uma fome de vida! Feliz! Parece que a morte nos faz repensar a vida.... Por isso, apesar de não ser aniversário de ninguém ou nenhuma outra data específica, decidi preparar um prato especial mesmo assim: o meu afamado strogonoff de caju!
Acordei bem cedinho, fiz os meus alongamentos, a minha yoga do dia... Ah, que gostoso esticar bem o corpo, sentindo todo o fluxo do organismo se regularizando, se descontraindo! Saí para uma hora de corrida. Depois alonguei mais um pouquinho... Na volta para casa, passei no sacolão e trouxe as frutas. Alho já tinha aqui. Gengibre também. Depois da minha ducha gelada, separei os cajus, lavei-os bem, retirei a película. Cortei-os em tiras finas e deixei-os de molho por vinte minutos no vinagre, para tirar a cica. Lavei-os sob água corrente longo tempo e deixei mais uma vez de molho no limão. Depois outro banho de água corrida. Soquei alho, espremi. Fatiei gengibre em rodelas bem finas. Preparei um molho bem gostoso de strogonoff... (Não é bom ficar comendo creme de leite e essas besteiras sempre, mas... sou a favor do não-radicalismo. Gosto de um bom saborzinho na comida. Porém sem exageros.)
O strogonoff ficou pronto ainda não nem era meio-dia. Olhei para o relógio, “Onze e quarenta ainda...” Decidi esperar um pouquinho. Fui para a janela da sala olhar a obra do prédio que foi erguido em frente ao nosso. Parece que custa duzentos e cinquenta mil cada apartamento e já foram todos vendidos ainda na planta. Fiquei olhando o prédio. Achei caro o preço!
Um barulho na rua me chamou a atenção. Era um velho amigo que assobiava, acenando, para me dar bom dia.
“Ah, oi, bom dia, Reinaldo!” respondi. Ele entrou, e bateu o portão com força, fazendo um grande barulho. Aquele som trouxe à tona uma memória em mim... do dia que eu vi um porquinho sendo assassinado aqui na rua onde moro... Eu tinha doze anos de idade, por aí. Ainda comia carne naquela época. Aliás, contam-me que eu era particularmente chegada a uma costelinha de porco (comia até de lamber os dedos). Mas eu ainda não sentia... ainda não sentia essa compaixão pelos animais.
Eu sou a favor do vegetarianismo. E é por causa de um porquinho que sou vegetariana há mais de quinze anos. Eu sou ovo-lacto-vegetariana. É o melhor que posso fazer até agora.
Bem, naquele dia, lá no passado, a rua estava tranquila.... O pessoal lá de casa estava na cozinha preparando a comida. De repente, uma confusão na rua, barulho de crianças gritando, um homem falando alto, um bicho que grunhia. O que estava acontecendo, meu pai do céu?
Corri para a janela, para ver o que era. Afastei as cortinas de renda branca e abri as janelas completamente e então vi uma cena inacreditável! Um homem trazia em uma das mãos um facão e, na outra, arrastava pelo chão um porquinho preso no pescoço por uma corda. Levei um tempo para entender que o homem queria matar o bicho! Quando entendi qual era a intenção dele, uma fúria me subiu pelo pescoço e eu abri a janela e gritei bem alto, “Ei, homem! Pare com isso agora!” Eu era pequena, mas a minha voz saiu muito grossa e o afrontou, e eu quase voava pela janela para estapeá-lo e forçá-lo a parar com aquela violência.
Irritado, o homem olhou na minha direção para ver quem o censurava. Minha mãe ficou nervosa e me empurrou da janela, me jogando no sofá, e fechou as cortinas.
“Não brigue com esse homem, Atma! Não vê que ele é nervoso? Pode querer fazer alguma coisa contra você! Ele é violento!” ela disse.
Eu não duvidaria... Um homem que, na frente dos filhos pequenos, assassinava uma criatura... Realmente seria capaz de outras atrocidades...
Sem querer julgar o modo como cada um vive, estou trazendo aquela cena do passado até hoje apenas como reflexão. Porque essa cena sempre me faz recordar dos meus motivos, do por quê de eu ter me tornado vegetariana.
É porque eu não acredito que, hoje em dia, em nossa civilização atual, nós precisemos comer carne para sobreviver. Isso já foi necessário um dia. Hoje, não mais. Hoje sacrificamos os nossos irmãos animais apenas pelo prazer da língua.
Tem tantas outras opções para nos alimentarmos: frutas, legumes, verduras, grãos, cereais, germinados... se formos contar a diversidade de cada tipo dentro de cada categoria, não caberia nem em um livro inteirinho. É muita coisa! É variedade suficiente para nos deixar bem nutridos, bonitos e fortes!
O grunhido do porquinho não saía da minha cabeça naquele dia terrível... E eu não pude fazer nada para impedir... Só fiquei sentada no sofá, chorando, com raiva porque a minha mãe não tinha me deixado descer para impedir o homem. Eu só ouvia os filhos do homem gritando, “Pára, papai! Pára!”
Mas o homem não parou. O churrasco tinha que começar. O pessoal queria beber cerveja e comer umas carninhas. O que mais doeu foi a falta de respeito para abater o animal. Ele ao menos poderia agradecer ao espírito do animal por conceder sua carne para a alimentação da família, como fazem os homens civilizados. São pequenas atitudes que fazem a diferença...
Mas, daquele dia em diante, de uma coisa, apenas uma, eu tinha certeza: eu não queria comer carne de bicho nenhum. Nunca mais!
As cortinas da sala continuaram fechadas a tarde inteira. Mas uma grande luz de compreensão se abriu em mim. Eu queria ser fraterna com os meus irmãos menores. E isso significava não fazê-los sofrer só para satisfazer os prazeres da minha língua.
Não foi nenhum livro que me disse para eu não ingerir mais carne. Foi apenas o Mestre do MEU coração. E vai ser muito difícil alguém fazer com que eu o desobedeça! Nesse caso a minha “teimosia” é muito útil.