Primeira aula na Neijing

Querido Diário,

O primeiro dia de aula na Neijing finalmente chegou! Sábado, dia onze de setembro de dois mil e dez. Primeira aula com o diretor Victor, na Escola Neijing, em Santa Teresa – primeira aula do curso de Medicina Oriental.

O curso terá a duração de três anos e hoje é o primeiro dia de uma longa jornada que está apenas por começar...

Acordei bem cedo hoje, tomei banho, me arrumei. Escolhi uma calça legging preta, bem confortável e um casaco esportivo. Eu até pensei em um jeans básico, mas não dá para ficar o dia inteiro sentada no tatame com jeans. Prende a circulação.

Não estava com fome, mas tomei um café-da-manhã leve e preparei uma mochila com provisões para o dia: água, chocolates, barras de cereais, frutas e um grande sanduíche que seria o meu almoço. Sabe como é: preciso economizar ao máximo.

Talvez eu devesse ter saído de casa um pouco mais cedo porque, quando dei por mim, já eram oito da manhã (início do horário da aula) e eu ainda estava no pé do morro de Santa Teresa esperando o bondinho subir às oito e dez! “Acordo meia hora antes no próximo dia de aula,” prometi a mim mesma.

Quando o bondinho de Santa Teresa começou a subir, nem me importei mais com o pequeno atraso para a aula. Como era lindo aquele lugar! Logo à minha direita, eu podia ver a grande Catedral do Rio de Janeiro. Parecia ainda maior do ângulo onde eu olhava. Todas aquelas árvores antigas – a maioria grandes amendoeiras – compondo o cenário do centro da cidade. E como as ruas ficavam desertas no sábado! Tão diferente da correria do dia-a-dia, de segunda à sexta, quando todas aquelas pessoas andavam (sempre com pressa!) de cá para lá e de lá para cá. O bonde fez a curva bem devagar (bem mais lentamente do que eu gostaria) e eu fiquei percebendo o quanto todo aquele ritmo tranquilo estava discrepante com o meu ritmo, ainda condizente com toda aquela metrópole moderna...

Os condutores do bondinho eram dois, e usavam um uniforme simples, composto de uma calça preta e uma blusa branca de algodão. Eles estavam sorrindo, conversando em voz baixa um com o outro. Um era negro e parecia bem mais velho, uns sessenta anos. Fiquei me perguntando há quantos anos ele devia trabalhar ali... O outro parecia mais novo e era branco. Quem pilotava era o mais velho.

Passada a curva realizada lentamente, seguimos em direção aos Arcos da Lapa, por onde o bonde atravessaria antes de começar a subir o morro de Santa Teresa e me deixar na porta da minha Escola querida.

Porém, antes de alcançarmos os Arcos, tivemos que passar por uma segunda curva, realizada de modo ainda mais lento que a primeira, e com um som esgranhido ainda mais esquisito. Esquisito mas agradável para mim.

Aliás, tudo me era agradável naquele dia! Quando se está feliz...

Eu ria, pensando no preço do bondinho: só sessenta centavos. Era para manter a tradição. O bonde, os Arcos da Lapa, os casarões antigos de Santa Teresa, tudo era um grande patrimônio cultural da nossa cidade. Ainda mais legal era que quem fosse em pé nem precisava pagar nada. Nenhum centavinho sequer! Onde já se viu isso?

Eu ri sozinha baixinho. E, olhos risonhos, admirei a beleza daquele centro da cidade quietinho, quase silencioso, daquela manhã de sábado.

Estávamos passando pelos Arcos da Lapa e do alto eu pude ver alguns grupos de samba e chorinho que haviam passado a noite inteira e continuavam com seu batuque – acredite – a todo vapor!

“Só na Lapa mesmo...” pensei, e sorri.

No final dos trilhos dos Arcos, o bonde parou. Inclinei o corpo um pouco para a minha direita para ver o que tinha acontecido. Era o condutor branco do bonde, que tinha descido para acordar um rapaz que tinha dormido na beira do Arco enquanto esperava o bonde.

O condutor deu uns tapas no ombro do rapaz e, todo mundo num bom humor só, e tudo sem pressa e bem devagar, esperaram o rapaz levantar a cabeça devagar, dar-se conta de onde estava e o que estava acontecendo, e então subir no bonde para seguirmos viagem.

Nessa hora, dei uma olhada no visor do meu celular. “Ai, estou atrasada,” me afligi, mas logo fui envolvida pelas risadas do pessoal que estava no bonde já puxando assunto com o rapaz que tinha cochilado no meio do caminho.

E o bonde começou a subir mais. O sol estava lindo! Cor-de-rosa! Ah, eu não tinha nenhuma máquina para tirar uma foto daquela visão espetacular! Que pena! Mas eu nunca mais ia esquecer... Nunca mais ia esquecer daquele sol cor-de-rosa que eu vi no dia da minha primeira aula na Neijing...

Bem, primeira aula totalmente não, né? Porque eu já havia começado o curso na Neijing no início do ano mas, por motivos vários, só podia retornar agora para o curso.

Devia ser umas oito e vinte quando finalmente cheguei à escola. É impossível descrever o que sinto quando chego ali. É como estar em casa. É como estar em um paraíso. É como beber em um copo de água depois de passar anos com sede no deserto.

Cumprimentei a recepcionista (muito simpática) e ela fez um gesto com a mão me indicando para qual sala eu deveria ir. Subi as escadas de madeira do antigo casarão e fui para o segundo andar. A decoração do local me encheu de uma misteriosa nostalgia... uma estátua de bronze de Dom Quixote (um dos meus livros favoritos!), uma caixa de ventosas, um porta-incenso com um delicioso incenso exalando no ambiente seu delicado perfume. Quadros com ideogramas chineses pintados.

Tentando não fazer muito barulho, subi as escadas de madeira, tirei os meus sapatos e, enquanto o fazia, já podia ver, pela grande porta de vidro, os meus novos colegas de turma sentados ao longo do tatame e olhando fixamente para o diretor e também professor Victor.

Arrastei a porta de vidro para o lado, cumprimentei o professor com um aceno de cabeça e, silenciosamente, sentei-me em um espaço do tatame que ainda cabia gente.

Na Escola Neijing é assim: todos se sentam no tatame, para manter a tradição. Em todas as Escolas Neijing espalhadas por todo o mundo é assim.

O professor Victor é um homem alto, com um corpo muito robusto que passa uma impressão de grande saúde e força física. Trajava-se todo de preto: calça, cinto, uma blusa de corte simples e meias. A tonalidade do tecido negro contrastava com sua pele alva gerando agradável contraste aos olhos. Sua barba é levemente ruiva, me pareceu. Ou talvez fosse o reflexo do sol que entrava pelas grandes janelas do casarão e faziam reluzir seu rosto em mil flashes de luz?

Não sei dizer. Só sei o quanto era agradável estar sentada ali, sem pressa, apenas curtindo a jornada. Curtindo aquele instante. Prazerosamente. Os ruídos dos carros atravessando a rua em frente à escola não incomodavam. Apenas quando o bonde subia ou descia é que era necessário fazer uma pausa na transmissão oral e esperar o bonde passar. Isso acontecia de quinze em quinze minutos mais ou menos. O que mais me impressionou era o quanto isso não parecia irritar o professor. Nem quando um aluno o interrompia. Nem quando nada acontecia. Eu não conseguia sentir um pingo de irritação nem de pressa nele. Que intrigante... Tão diferente dos cariocas estressados. Será que é coisa de gaúcho?

Bem. O fato é que ele falava sobre a falta de regulamentação sobre a Acupuntura no Brasil, ou seja, no Brasil ainda não possuímos uma lei que regulamente a Acupuntura. Levamos algum tempo fazendo perguntas sobre direitos adquiridos dos Acupuntores práticos (aqueles que praticam mesmo antes de existir uma lei) e etecetera e depois passamos para a grade curricular do nosso curso.

Vimos que estudar Acupuntura não é algo tão simples – exige grande dedicação e estudo. Aliás, não estamos lá para estudar apenas Acupuntura, mas sim Medicina Oriental e tudo o que ela engloba: ventosas, moxabustão, Qi Kong, Tuiná e diversas outras técnicas, dentre elas, a Acupuntura (quando for necessário aplicá-la).

Depois o professor nos informou que deveremos organizar grupos de estudos para fazer resumos de cada aula. E nos explicou também como utilizaremos o moderno sistema informatizado da Escola, de onde faremos downloads de arquivos importantes para complementar os nossos estudos. Nós teremos uma grande convivência online e, para tal, receberemos em breve um código de acesso individual. Poderemos participar de debates, tirar dúvidas, compartilhar arquivos, e uma infinidade de outras ações às quais terão acesso apenas os alunos.

Terminadas as explicações técnicas, tivemos breve intervalo para beber água, café e irmos ao banheiro. Aproveitei para degustar aquele delicioso cafezinho com canela e mais outros ingredientes que não me lembro agora... Hm.... Foi bom também para esquentar um pouquinho.

Após o intervalo, subimos e todos se acomodaram de novo ao longo do tatame. Procurávamos não fazer barulho demasiado com todo esse processo, para não perturbar a turma que tinha aula do outro lado do corredor, bem em frente à nossa janela de vidro.

Ao sentarmos, ninguém nem precisou perguntar, pois o professor Victor saciou a curiosidade de todos nós explicando o significado do nome da nossa turma: Sui Dao.

“Na Escola Neijing, cada turma tem uma identidade, um nome. A turma de vocês chama-se Shui Dao. Uma tradução aproximada seria “O caminho da Água”. Água, onde tudo nasce. Água, a origem. O caminho para resgatar a origem... O caminho da água.”

“Nossa, que bonito,” murmurei. Anotei no meu caderno, “A água é a casa da emoção.”

Após nos dar essa explicação do nome da turma, o professor ainda nos falou que as aulas começariam sempre às oito em ponto, com uma prática de meditação, onde aprenderíamos técnicas de respiração, onde moveríamos o Qi (a energia) pelos canais e meridianos.

“Oba! Aula de Qi Kong!” vibrei.

O Victor nos pediu encarecidamente que não entrássemos para a meditação depois das oito da manhã. De novo, fiquei boba percebendo o quanto ele podia ser gracioso, gentil e engraçado com toda a turma. Nenhum traço de estresse. Ele apenas estava saboreando cada momento prazeroso conosco. Ficamos combinados que aqueles que chegassem depois das oito ficariam esperando do lado de fora da porta de vidro.

“Acho que vai ficar bem fácil perceber que estamos meditando,” fez ele, em tom de piada, sentando-se no chão em posição de lótus, esticando bem a coluna e apoiando as mãos nos joelhos, em uma posição típica de meditação.

Todos riram. Que prazeroso era estar ali! Dentre muitas brincadeiras, piadas, risos, integração, o diretor-professor Victor foi estipulando com a turma uma série de regras de boa convivência, as quais deveríamos cumprir para manter uma ordem e harmonia para todos, dentre elas, que deveríamos escrever um resumo de cada aula, tendo-nos dividido em grupos.

E é por isso que eu estou agora aqui, Diário. Porque preciso preparar a minha parte do resumo. Mas eu não consegui começar sem antes tentar te dizer um pouquinho sobre como eu me senti naquele dia tão mágico, tão especial, em que dei um passo inicial tão importante em minha jornada como Terapeuta Naturalista! O meu primeiro dia de aula na Escola Neijing no curso de Medicina Oriental!

Ah, como estou feliz!

Depois de todos os recados administrativos, em que fomos informados também dos encontros internacionais e nacionais da Escola (muito legais! Quero ir!), fizemos outro intervalo, desta vez maior – para o almoço – e, tendo retornado, demos início à aula propriamente dita.

Segue parte do que eu aprendi: (...)