Querido Diário,
Aprendi no curso de Shiatsu que é saudável vivenciar todas as emoções – até mesmo a tristeza, o medo e a raiva. Só não é bom empacar em uma só e não sair mais dela. Exemplo: ficar ressentindo mágoas, frustrações, tristezas. Nem mesmo as alegrias devem ser exageradas, senão elas se tornam euforia e também afetam o Qi (energia) do Xin (coração). O excesso (cheio) e a ausência (vazio) também são estados de desarmonia.
Estou te falando isso porque dei um pulo na casa do meu amigo Marcelo, mas ele estava num mau humor que dava gosto. De repente, tinha que começar a se mexer, arrumar a vida, um emprego! O cabelo, tinha que dar um visual novo. Os móveis do quarto, tinha trocado todos de lugar. A cama, que antes ficava perto da janela, agora estava no centro do cômodo. O computador, antes na esquina direita, passou para o canto esquerdo.
“E esse cigarro, que eu não consigo largar?” gritou ele, insatisfeito, e fuminou o “charuto do capeta” (como ele mesmo se referiu enquanto lançava o canudo branco de ponta vermelha luminosa a metros de distância) janela abaixo. Ele estava realmente tendo um ataque de nervos daqueles...
Fiquei de pé na porta do quarto sem saber se eu entrava para conversar, para deixar ele desabafar, ou se dava meia volta e subia para a minha casa. De repente ele precisava de um pouco de privacidade naquele momento.
Acabei ficando imóvel onde estava, com minhas mãos cruzadas em frente ao meu corpo. Eu tentava oferecer um olhar amigável, compreensivo.
Marcelo continuou pensando alto. “Eu tenho que dar um tempo com a maconha, sabe?” revelou ele, de repente. Não pude evitar uma vontade de rir. De onde ele estava tirando aquelas conclusões todas, de uma vez só? “Essa maconha me relaxa, mas agora eu preciso da minha mente mais afiada, sabe? Mais clara!”
“Então você admite que ela te atrapalha um pouco a raciocinar com total clareza?” aproveitei a deixa.
“Claro, ainda mais porque eu ando abusando.”
Eu não disse nada (não adianta dar sermão em ninguém, já aprendi isso há muito tempo).
“Anda, Atma! Levanta!” disse ele, apressando-me. “Vamos lá no shopping comigo que eu vou cortar o cabelo e ver se eu acho aqueles chicletes que ajudam a gente a parar de fumar! Anda, levanta!”
“Mas agora?” (Eu tinha acabado de chegar da rua.)
“É, é. Agora. Você não é minha amiga? Vai comigo, me ajudar!” ordenou ele. “Não posso mais perder tempo. E quando a gente voltar, você me ajuda a escrever uma boa carta de apresentação, para o meu novo currículo?”
Gente, ele parecia um furacão. E, realmente, como amigo é para essas coisas, fui ao shopping com ele. Ele cortou o cabelo, mas não achamos o tal chiclete anti-fumo.
Quando voltamos, fiz um Yaksoba (é assim que escreve isso?) vegetariano para ele ficar mais calmo e, durante a refeição, ele desabafou, “Sabe qual é o problema, Atma? Eu descobri que eu não sou bom para fazer dinheiro! É isso que está me deixando louco! Agora descobri. Outra coisa: não sei o que está acontecendo comigo, porque os meus pensamentos estão em crise. Parece que eles ficam se repetindo, repetindo rapidamente na minha mente. Estou tendo uma crise de estresse!” concluiu ele, passando as mãos nervosamente pelos cabelos. Pegou o garfo, ficou tintilando com ele no prato. Pegou o maço de cigarro, depois tacou longe.
“Nossa...” pensei eu, esperando que ao menos o Yaksoba aliviasse os nervos dele.
Terminamos de comer e ele se levantou e foi até o quarto dele. Eu continuei na mesa da cozinha e ouvi o barulho da porta do armário dele se abrindo e depois se fechando com estrondo. “Virgem Maria...” pensei.
Então ele voltou com um vidrinho na mão, sacudindo-o vigorosamente. Abriu-o, girando nervosamente a tampa, e despejou mais de quatro gotas de floral embaixo da língua de uma vez só, arregaçando a boca feito um jacaré.
“Ah... O que é isso, Marcelo?” perguntei, pegando o vidro da mão dele.
“É um floral que a minha mãe fez para mim,” respondeu ele, distraidamente.
Eu ri baixinho. “Agora está explicada essa revolução toda...” E me diverti lembrando do processo pelo qual eu passei quando iniciei meu tratamento com florais há nove meses atrás. Tive a mesma “crise histérica” (necessária para sair da estagnação).
Quando eu pensei que já estava tudo bem, que o Marcelo já estava mais calmo coisa e tal, lá veio ele com mais um muro de lamentações, dizendo o quanto a vida dele estava parada e que ele precisava dar uma guinada. Não teve jeito. Cruzei as pernas em posição de lótus, apoiei os meus cotovelos em uma almofada bem macia, deixando a minha cabeça pender sobre as minhas mãos e o ouvi, o ouvi, o ouvi. Depois, ajudei-o a fazer a carta de apresentação dele (ficou ótima! Ele tem um bom currículo!) e agora é deixar o barco correr e as gotas milagrosas dos florais continuarem fazendo o seu efeito transcendental. Tão sutil como uma trombada de elefante!
Ih! Lembrei que está na hora das minhas gotas de floral!
Tchau, Diário! Depois falo mais com você.
Atma.