Eu sou a médica, tá, titia?

Ô, Diário! Me explica uma coisa: como é que pode uma criança de dois anos saber exatamente para quê serve um bastão de cromoterapia sem nunca ter visto algo parecido antes?

Pois foi exatamente o que a minha sobrinha Cristal fez no dia que eu cheguei em casa com o bastão cromático que eu tinha acabado de ganhar de presente. Na época, eu estava começando a atender ao chamado do meu espírito para trabalhar com as terapias naturais...

Quando vi que a Cristalzinha estava lá em casa, na hora tirei o bastão da bolsa, fechei as cortinas da sala para ficar bem escurinho, e fui brincar de lanterninha com ela. Com certeza ela ia adorar ver os flashes de luzes coloridos saindo pela ponta de cristal de quartzo do bastão! Como ficam lindas as cores, suaves, reluzentes!

Fui trocando as cores do bastão, uma por uma, e estas se refletiam na pequena íris dos olhos da Cristal, formando janelinhas multicoloridas em seus olhos cor de mel, enquanto seus pequenos lábios sorriam com brandura.

Eu me senti a melhor tia do mundo! Você sabe, eu estou sempre me esforçando para encantá-la com novidades! “Quero ver as outras tias me superarem agora,” pensei, mantendo o meu plano de continuar sendo a titia preferida da Cristalzinha. Se bem que era muito difícil competir com a tia Léia e seus chicletes e pirulitos que acendiam luzes por dentro...

Eu estava pensando nisso quando a Cristal interrompeu os meus pensamentos, “Tia! Tia! Agora eu sou a médica, tá bom?”

Demorei a entender o que estava acontecendo. “Ei, ei! Peraí! Você já sabe falar a palavra ‘médica’, Cristal? Que legal...” fiquei ali inebriada, acompanhando os primeiros passos de tudo que a minha sobrinha fazia. Aquele cheirinho de neném. Aqueles cabelinhos lourinhos, tão ralos, que nasciam em poucos fiapos e se encaracolavam angelicalmente pela cabeça dela. “Ué, Cristal, mas como você sabe que...?”

Eu mal pude acreditar no que ela fez! Sob o olhar observador da bisa, que estava sentada no sofá só nos espiando, a Cristal simplesmente pegou uma boneca de pano, deitou-a no chão, esticando bem as perninhas e ajeitando os bracinhos ao longo do corpo e levou a pequena mãozinha na minha direção me pedindo o bastão cromático. Eu fiquei meio abobada... como assim a Cristal sabia que aquele bastão era “de médica”?

“Como liga, titia?” ela perguntou. Ainda em minha mudez estatelada, liguei o bastão, girando um pequeno compartimento de aço para a lateral, e deixei que a Cristal escolhesse a cor. Ela escolheu um rosa bem suave e então começou a aplicar a ponta do bastão em diversas partes do corpo da boneca, dizendo, “Agora você não precisa mais chorar, tá bom? Você vai ficar boa...” A Cristal alisava os cabelos verde-limão da boneca-de-pano (a paciente dela) e oferecia um sorriso mais que amigável, um sorriso que era para curar a boneca... mas que curava a minha alma também...

Olhei para a minha vó (a bisa), suplicando, com os olhos, uma explicação. Minha vó riu, com aquele ar de velhice já meio rabugento entretanto cheio daquela bagagem que só se adquire com oitenta e três anos de vida, e comentou brandamente, “É... Eu já criei mais de dez netos, mas igual a essa daí... eu nunca vi, não...” E continuou espiando aquele pedacinho de gente miúda ali, com a coluna toda esticadinha, se intitulando “médica”, cuidando da bonequinha com um bastão de cromoterapia...

“Ah, essa daí só pode ter vindo da Escola de Mistérios Egípcia junto comigo!” tive a certeza, enquanto a observava com uma lágrima furtiva que rolava do meu olho que chora (olho direito). De repente, senti a brisa do antigo Egito soprando em meu espírito agora revigorado com intenso frescor, e vibrei, “Seja muito-bem vinda, minha querida sacerdotisa de cura... Seja muito bem-vinda...”

Diário! Eu ainda nem tinha usado o meu bastão em ninguém! E acho que foi uma forma excelente de ele ser abençoado para começar os trabalhos! Não acha, Diário?

E depois tem gente que não acredita em reencarnação. Ah, um negócio desse não tem explicação, não, Diário! Tem, não...

Ah, essa minha sobrinha Cristal! Apronta cada uma, essa bruxinha!

Tchau, Diário. Boa noite.

Atma.