Querido Diário, ombro amigo...
Ontem à noite a minha vó virou estrelinha e foi para o céu... Essa é a forma como daremos a notícia para a minha sobrinha, “A bisa virou estrelinha...” E depois contaremos aquela história... de que um dia ela ajudou um menino que não tinha onde morar e ia ficar na rua com fome, com frio e com sede...
É estranho ouvir a notícia da morte... Mesmo que se acredite na vida do espírito... Mas hoje me pergunto... O que é de fato morrer?
Morrer é quando não se tem mais o desejo da vida. Não é quando se abandona o corpo físico que se está morto. Morre-se ainda em vida...
Quantas vezes vi a minha vó dizendo que já não via mais sentido em sua existência, principalmente depois que ela tinha “perdido” um de seus filhos. Embora os outros três tenham se mantido aparentemente “vivos” (pois andavam, falavam e comiam)...
Hoje, quando eu abri os meus olhos pela manhã, sondei o meu coração... ainda deitada na cama, olhei pela janela aberta do quarto e vi o sol fumegando lá fora... O som dos carros atravessando a Avenida Brás de Pina... o barulho dos automóveis e caminhões abastecendo no posto de gasolina aqui do lado de casa... Um cachorro que latia esbaforido na rua. O som das ferramentas da obra do prédio que está sendo erguido bem em frente a este aqui (tapando um pouco a nossa visão do bairro). Outro ônibus passava na rua. Freava. Pegava algumas pessoas no ponto de ônibus, decerto. Algumas outras com certeza desciam. E depois o ônibus seguia viagem. O som de um portão de garagem que se abria e o ronco de um motor de carro. Alguém que saía para trabalhar. Para encarar mais um dia. E, ainda deitada, enchi os meus pulmões de ar... de vida... E os meus olhos sorriram para a vida.
“Mais um dia que estou aqui neste planetinha azul...” pensei, e senti-me feliz com isso. “O que posso fazer de maravilhoso hoje?” perguntei a mim mesma. (Um bem-te-vi acabou de cantar aqui perto da janela agora!) Na mesma hora, senti, “Ah... Eu quero escrever... Escrever me motiva a levantar, a passar um bom dia...” Eu queria também beber água, sair para andar, correr. Queria conversar com os amigos. Ouvir. Queria ouvir as pessoas. Ver as coisas.
Sons... Os sons estão mais intensos hoje... De novo o cachorro que late, ainda. Ainda os carros que passam. Ainda os caminhões que chegam sabe-se lá de onde. Param, abastecem. Contam piadas para os manobristas e para o pessoal do posto. Depois entram em suas cabines e seguem viagem novamente. Que mensagem haverá no para-brisa de cada um desses caminhoneiros? Aquelas frases, umas de despedida, outras de amores perdidos, outras de fé em Deus, fé na vida. Algumas contra mau-olhado. Cada um escolhe a frase que quer pendurar na boleira do caminhão para que, por onde passem, todos possam ler em que acreditam.
Levantei, tomei um café. Escolhi beber na caneca de aço que tinha sido da minha vó, quando ela era merendeira na escola onde trabalhava.
Ainda me lembro de quando contava sobre o dia em que tinha sido promovida a “carimbadora de carteirinhas”. É... Lembra daquela pessoa que ficava na porta da nossa escola pedindo a nossa “carteirinha” (na época, eram de papel) para carimbar a nossa presença do dia? Então... Depois de muitos anos trabalhando como merendeira, um dia colocaram a minha vó para carimbar as carteirinhas.
A criançada toda devia gostar dela, porque ela sempre foi de ter sorriso fácil no rosto.
É estranho saber que ela não vai estar mais aqui conosco em sua presença física. Mas tenho absoluta certeza que o Yosef está dando a ela toda a assistência do mundo neste momento...
Mas quem deve estar satisfeita mesmo agora deve ser a Tia Conceição, né, Diário? A Tia Conceição, que já desencarnou faz uns sete anos... Ô, meu Deus... Mas ela não saía daqui de casa por nada desse mundo... Porque a Tia Conceição era irmã da minha vó que acabou de virar estrelinha. Elas conviviam muito, quando moravam em Minas Gerais. De todos os irmãos, Tia Conceição e a minha vó eram as mais chegadas entre si.
Eu nunca cheguei a conhecer a Tia Conceição em vida. Talvez eu a tenha visto quando eu era bem pequena e fomos todos passear em Minas Gerais. Porém não me lembro do rosto dela.
Eu descobri que o espírito da Tia Conceição estava morando aqui em casa por acaso...
Foi assim. Um dia, eu sentei para almoçar aqui em casa e a casa estava movimentada. Era dia de faxina, e a moça da limpeza estava aqui cuidando de tudo, enquanto a minha mãe estava no fogão preparando alguma comida. Eu comia meu prato com legumes quando a máquina de lavar ligou sozinha. “Uma hora é a televisão que liga, outra hora é essa máquina...” pensei, e ri-me sozinha. Mas sinceramente pensei que era mais provável que fosse algum defeito na eletricidade da casa.
Só que a minha mãe, por alguma razão, estava meio assustada com aquilo. A faxineira brincava, fazia piadas, dizia que a casa estava mal assombrada. Minha mãe, que é médium sinestésica, estava acostumada desde pequena a ver esse tipo de fenômenos, mas continuava se borrando de medo até hoje.
Para aproveitar as piadas que a faxineira fazia (não me lembro o nome dela), falei, “Ah, mãe! Não liga, não! Isso é coisa da Tia Conceição!”
Juro por Deus que não sei por quê eu falei aquilo. Só sei que a minha mãe deu um pulo, mas um pulo tão grande do fogão... e deslizou a colher que trazia na mão pelo braço para mostrar que tinha ficado toda arrepiada.
“Por que você disse Tia Conceição, Atma?” minha mãe quis saber. Estava um tanto nervosa.
Eu continuei mastigando minhas abóboras e brócolis e dei um riso sem graça. “Ih, eu, hein, mãe. Falei só de brincadeira. Porque esse nome me pareceu engraçado. Não é engraçado? Ti-a-Con-cei-ção...” repeti, devagarinho aquele nome, marcando bem as sílabas. Realmente me soava muito divertido.
Minha mãe ficou parada no meio da cozinha.
“Desliga esse fogo senão a comida vai queimar,” falei.
“Tia Conceição era o nome da irmã da sua vó, que morreu em Minas Gerais cinco anos atrás,” contou-me ela.
“Ah... Entendi...” disse eu. Agora eu estava quase certa de que era ela quem estava a fazer joguinhos com os objetos lá de casa (utilizando o material fluídico abundante da minha mãe que, desde nova, fazia voar xícaras pela casa).
Minha mãe continuou a explicação, e agora a Sandra (acabei de lembrar o nome da faxineira!).. e agora a faxineira Sandra tinha parado de trabalhar e estava na porta da cozinha com uma flanela na mão, ouvindo a história.
“A Tia Conceição era muito agarrada com a sua vó. Quase morreu quando ela veio morar aqui no Rio com a gente,” contou. Olhou em volta, ainda com o corpo todo arrepiado e falou, quase em um cochicho, “Eu acho que a Tia Conceição, depois que morreu, veio ficar perto da sua vó.”
“Ah, eu também acho possível,” concordei. “Mas por que ela não quer ir para outro lugar? Ela morreu... Pode ir para onde quiser...”
Eu tinha que sair para resolver uns assuntos, e só voltei para casa à noite. Tomei um banho, bebi um suco de uva, comi umas torradas. Depois montei o meu laptop em cima da mesa da cozinha e comecei a escrever.
A hora estava adiantada, deviam ser umas onze da noite. Minha mãe e minha vó estavam acordadas ainda, mas estavam na sala assistindo televisão. E estavam em silêncio, graças a Deus, naquela hora (e não discutindo, ofendendo-se mutuamente e falando alto como de costume).
Abri o laptop e comecei a escrever... contando uma história... nem me lembro sobre o que eu refletia... quando comecei a sentir que havia o espírito de uma pessoa sentada ao meu lado, no banco de madeira. “Ora, quem será?” pensei eu, e abri a minha terceira visão.
Ora, Diário, não é que era a Tia Conceição?? A própria!
Como em espírito conversamos com a mente, continuei na exata posição que antes eu me encontrava. Entretanto comecei a me dirigir a ela, “Oi, Tia Conceição...”
“Oi,” ela dizia, e senti que ela estava angustiada.
“Ô, tia Conceição... Meu Deus do céu... Por que é que a senhora quer ficar aqui em casa? Tem tanto lugar aí nesse mundão para a senhora ir... Tanto lugar para conhecer...” quis saber. Eu falava assim, mas o meu espírito vibrava por ela uma doce simpatia.
Tia Conceição vibrou algumas emoções conflitantes, não era claro o que ela pensava ou dizia. Um tumulto. Acho que nem ela sabia.
Então eu entendi porque é que a minha vó andava sentindo-se tão angustiada. Todo mundo achava que era porque o filho dela tinha “morrido”. Só que agora eu entendia que não era só aquilo... Além da tristeza da “perda”, ela andava captando as vibrações de sua irmã desencarnada que não aceitava ou não entendia a morte... e de perto dela não saía!
“Vamos fazer uma coisa, Tia Conceição?” sugeri eu, e eu ia digitando no laptop tudo o que eu falava para ela em pensamento e todas as respostas que eu captava dela.
“Vamos fazer uma oração para recebermos ajuda?” eu sugeri.
Tia Conceição continuou sentada ali do meu lado. Pelo menos alguém falava com ela! Sabia que ela estava ali. (Ih, o espírito dela está aqui do meu lado agora!)
Começamos a fazer uma oração, onde eu roguei auxílio do plano espiritual para encaminhar aquela alma que sofria, que nos desse esclarecimentos, luz e amparo. Em poucos segundos, um portal de luz se abriu bem no meio da cozinha. Era uma espécie de luz branca muito forte que se abria em formato elíptico, começando apenas com um pontinho e depois se expandindo. De dentro desse portal de luz, saiu uma figura masculina, que apresentou-se como Tio Zezinho.
O Tio Zezinho fazia parte da família. Era tudo gente lá de Minas Gerais. Gente que eu não conhecia. O espírito do tio Zezinho dirigiu-se a Tia Conceição e encheu-lhe de alegria. A Tia Conceição vibrava, vendo mais um de seus familiares que há tempo não encontrava!
Eu fiquei assistindo a cena, comovida, e continuava registrando tudo no tlec tlec do computador.
“Olha aí, Tia Conceição, que beleza!” exclamei. “Viu só quanta gente quer voltar a ver a senhora?! Vá com o tio Zezinho! Com certeza há muitos familiares lá para a senhora rever!”
A tia Conceição ficou tão animada que nem me dava mais bola. Agora ela só falava com o tio Zezinho e com uns outros que começaram a sair pelo portal de luz (não me lembro agora o nome deles, preciso encontrar o arquivo onde anotei tudo isso).
No final das contas, a tia Conceição foi embora com o tio Zezinho e a patota da família italiana de Minas Gerais.
E fico imaginando a festa que ela está fazendo agora (ela unida à minha mente agora concordando, dizendo que sim).
Minha madrinha acabou de me ligar dizendo que o sepultamento será amanhã pela manhã. Eu estou aqui tentando decidir se irei ou não. Não sei se quero guardar uma imagem sofrida da minha vó, vendo aqueles homens colocando o corpo físico dela, inanimado, debaixo da terra...
Dá uma vontade de dizer, “Gente, a minha vó não está aqui, não. Ela está lá com a patota italiana de Minas... com a gente dela... Tio Zezinho, tia Serafina, tio Antônio (Toninho) e toda aquela gente lá... Gente da nossa família...” Eu agora posso ver a festa daqui... Eles estão em um salão... que tem um chão muito bonito... como se fosse um mármore cheio de losangos de duas cores... Eles estão de pé, abrançando a minha vó...
Aquele povo lá, que eu chamo de “meus ancestrais”. Mas talvez eu vá ao cemitério fazer uma homenagem, participar da “despedida”.
Mas homenagem mesmo que eu posso prestar para a minha vó é sempre ajudar uma criança que precise, igualzinho ela fez um dia. É sempre ter a capacidade de dividir o leite contido em uma caneca de aço muito humilde, vinda de uma merendeira... que um dia foi promovida a carimbadora de carteirinhas...
Um dia a minha vó me deu aquela caneca de aço. Ninguém tasca. Agora ela é minha. Para mim, será sempre um símbolo de compartilhar com quem precisa. E eu sempre terei orgulho de lembrar que uma ancestral minha um dia foi capaz de um ato de desprendimento tão grande que apenas um Anjo de verdade poderia fazer.
Adeus, vó! Adeus ao plano físico! Siga em paz com os seus amados irmãos, primos, vôs, vós e tias! Aqui nós ficamos, continuando a nossa experiência material nesta vida.
Sinto-me feliz por estar viva, vó. Hoje estou feliz com o sol, com os sons, com os cheiros, com tudo de bom que ainda pode acontecer na minha vida. Pode ir tranquila, vó. Eu sei que você se preocupava muito comigo. Se eu vou me firmar na vida. Ter carreira, tudo e tal. Pode deixar que o Yosef sempre cuida muito bem de mim, porque o amor com amor se paga e o amor se propaga... Hoje eu estou feliz, mais ainda. Porque tenho certeza que agora não é só o Yosef quem vai fazer de tudo para me encher de alegrias nesta vida... Tenho certeza... Adeus, vó. Aproveita aí a sua festa, a sua recepção. Por aqui, fica a despedida... com a certeza do reencontro... Não um reencontro no futuro. Tenho a certeza de um reencontro a cada dia.
(O espírito da minha vó me mandou um beijo agora. Ela está muito divertida. Ela está rindo, do melhor jeito que ela ria, e deu um beijo na palma da mão e jogou para mim. Os olhos dela estão brilhando de satisfação.)
Um beijo para você também, vó! Um grande beijo!
Ontem à noite a minha vó virou estrelinha e foi para o céu... Essa é a forma como daremos a notícia para a minha sobrinha, “A bisa virou estrelinha...” E depois contaremos aquela história... de que um dia ela ajudou um menino que não tinha onde morar e ia ficar na rua com fome, com frio e com sede...
É estranho ouvir a notícia da morte... Mesmo que se acredite na vida do espírito... Mas hoje me pergunto... O que é de fato morrer?
Morrer é quando não se tem mais o desejo da vida. Não é quando se abandona o corpo físico que se está morto. Morre-se ainda em vida...
Quantas vezes vi a minha vó dizendo que já não via mais sentido em sua existência, principalmente depois que ela tinha “perdido” um de seus filhos. Embora os outros três tenham se mantido aparentemente “vivos” (pois andavam, falavam e comiam)...
Hoje, quando eu abri os meus olhos pela manhã, sondei o meu coração... ainda deitada na cama, olhei pela janela aberta do quarto e vi o sol fumegando lá fora... O som dos carros atravessando a Avenida Brás de Pina... o barulho dos automóveis e caminhões abastecendo no posto de gasolina aqui do lado de casa... Um cachorro que latia esbaforido na rua. O som das ferramentas da obra do prédio que está sendo erguido bem em frente a este aqui (tapando um pouco a nossa visão do bairro). Outro ônibus passava na rua. Freava. Pegava algumas pessoas no ponto de ônibus, decerto. Algumas outras com certeza desciam. E depois o ônibus seguia viagem. O som de um portão de garagem que se abria e o ronco de um motor de carro. Alguém que saía para trabalhar. Para encarar mais um dia. E, ainda deitada, enchi os meus pulmões de ar... de vida... E os meus olhos sorriram para a vida.
“Mais um dia que estou aqui neste planetinha azul...” pensei, e senti-me feliz com isso. “O que posso fazer de maravilhoso hoje?” perguntei a mim mesma. (Um bem-te-vi acabou de cantar aqui perto da janela agora!) Na mesma hora, senti, “Ah... Eu quero escrever... Escrever me motiva a levantar, a passar um bom dia...” Eu queria também beber água, sair para andar, correr. Queria conversar com os amigos. Ouvir. Queria ouvir as pessoas. Ver as coisas.
Sons... Os sons estão mais intensos hoje... De novo o cachorro que late, ainda. Ainda os carros que passam. Ainda os caminhões que chegam sabe-se lá de onde. Param, abastecem. Contam piadas para os manobristas e para o pessoal do posto. Depois entram em suas cabines e seguem viagem novamente. Que mensagem haverá no para-brisa de cada um desses caminhoneiros? Aquelas frases, umas de despedida, outras de amores perdidos, outras de fé em Deus, fé na vida. Algumas contra mau-olhado. Cada um escolhe a frase que quer pendurar na boleira do caminhão para que, por onde passem, todos possam ler em que acreditam.
Levantei, tomei um café. Escolhi beber na caneca de aço que tinha sido da minha vó, quando ela era merendeira na escola onde trabalhava.
Ainda me lembro de quando contava sobre o dia em que tinha sido promovida a “carimbadora de carteirinhas”. É... Lembra daquela pessoa que ficava na porta da nossa escola pedindo a nossa “carteirinha” (na época, eram de papel) para carimbar a nossa presença do dia? Então... Depois de muitos anos trabalhando como merendeira, um dia colocaram a minha vó para carimbar as carteirinhas.
A criançada toda devia gostar dela, porque ela sempre foi de ter sorriso fácil no rosto.
É estranho saber que ela não vai estar mais aqui conosco em sua presença física. Mas tenho absoluta certeza que o Yosef está dando a ela toda a assistência do mundo neste momento...
Mas quem deve estar satisfeita mesmo agora deve ser a Tia Conceição, né, Diário? A Tia Conceição, que já desencarnou faz uns sete anos... Ô, meu Deus... Mas ela não saía daqui de casa por nada desse mundo... Porque a Tia Conceição era irmã da minha vó que acabou de virar estrelinha. Elas conviviam muito, quando moravam em Minas Gerais. De todos os irmãos, Tia Conceição e a minha vó eram as mais chegadas entre si.
Eu nunca cheguei a conhecer a Tia Conceição em vida. Talvez eu a tenha visto quando eu era bem pequena e fomos todos passear em Minas Gerais. Porém não me lembro do rosto dela.
Eu descobri que o espírito da Tia Conceição estava morando aqui em casa por acaso...
Foi assim. Um dia, eu sentei para almoçar aqui em casa e a casa estava movimentada. Era dia de faxina, e a moça da limpeza estava aqui cuidando de tudo, enquanto a minha mãe estava no fogão preparando alguma comida. Eu comia meu prato com legumes quando a máquina de lavar ligou sozinha. “Uma hora é a televisão que liga, outra hora é essa máquina...” pensei, e ri-me sozinha. Mas sinceramente pensei que era mais provável que fosse algum defeito na eletricidade da casa.
Só que a minha mãe, por alguma razão, estava meio assustada com aquilo. A faxineira brincava, fazia piadas, dizia que a casa estava mal assombrada. Minha mãe, que é médium sinestésica, estava acostumada desde pequena a ver esse tipo de fenômenos, mas continuava se borrando de medo até hoje.
Para aproveitar as piadas que a faxineira fazia (não me lembro o nome dela), falei, “Ah, mãe! Não liga, não! Isso é coisa da Tia Conceição!”
Juro por Deus que não sei por quê eu falei aquilo. Só sei que a minha mãe deu um pulo, mas um pulo tão grande do fogão... e deslizou a colher que trazia na mão pelo braço para mostrar que tinha ficado toda arrepiada.
“Por que você disse Tia Conceição, Atma?” minha mãe quis saber. Estava um tanto nervosa.
Eu continuei mastigando minhas abóboras e brócolis e dei um riso sem graça. “Ih, eu, hein, mãe. Falei só de brincadeira. Porque esse nome me pareceu engraçado. Não é engraçado? Ti-a-Con-cei-ção...” repeti, devagarinho aquele nome, marcando bem as sílabas. Realmente me soava muito divertido.
Minha mãe ficou parada no meio da cozinha.
“Desliga esse fogo senão a comida vai queimar,” falei.
“Tia Conceição era o nome da irmã da sua vó, que morreu em Minas Gerais cinco anos atrás,” contou-me ela.
“Ah... Entendi...” disse eu. Agora eu estava quase certa de que era ela quem estava a fazer joguinhos com os objetos lá de casa (utilizando o material fluídico abundante da minha mãe que, desde nova, fazia voar xícaras pela casa).
Minha mãe continuou a explicação, e agora a Sandra (acabei de lembrar o nome da faxineira!).. e agora a faxineira Sandra tinha parado de trabalhar e estava na porta da cozinha com uma flanela na mão, ouvindo a história.
“A Tia Conceição era muito agarrada com a sua vó. Quase morreu quando ela veio morar aqui no Rio com a gente,” contou. Olhou em volta, ainda com o corpo todo arrepiado e falou, quase em um cochicho, “Eu acho que a Tia Conceição, depois que morreu, veio ficar perto da sua vó.”
“Ah, eu também acho possível,” concordei. “Mas por que ela não quer ir para outro lugar? Ela morreu... Pode ir para onde quiser...”
Eu tinha que sair para resolver uns assuntos, e só voltei para casa à noite. Tomei um banho, bebi um suco de uva, comi umas torradas. Depois montei o meu laptop em cima da mesa da cozinha e comecei a escrever.
A hora estava adiantada, deviam ser umas onze da noite. Minha mãe e minha vó estavam acordadas ainda, mas estavam na sala assistindo televisão. E estavam em silêncio, graças a Deus, naquela hora (e não discutindo, ofendendo-se mutuamente e falando alto como de costume).
Abri o laptop e comecei a escrever... contando uma história... nem me lembro sobre o que eu refletia... quando comecei a sentir que havia o espírito de uma pessoa sentada ao meu lado, no banco de madeira. “Ora, quem será?” pensei eu, e abri a minha terceira visão.
Ora, Diário, não é que era a Tia Conceição?? A própria!
Como em espírito conversamos com a mente, continuei na exata posição que antes eu me encontrava. Entretanto comecei a me dirigir a ela, “Oi, Tia Conceição...”
“Oi,” ela dizia, e senti que ela estava angustiada.
“Ô, tia Conceição... Meu Deus do céu... Por que é que a senhora quer ficar aqui em casa? Tem tanto lugar aí nesse mundão para a senhora ir... Tanto lugar para conhecer...” quis saber. Eu falava assim, mas o meu espírito vibrava por ela uma doce simpatia.
Tia Conceição vibrou algumas emoções conflitantes, não era claro o que ela pensava ou dizia. Um tumulto. Acho que nem ela sabia.
Então eu entendi porque é que a minha vó andava sentindo-se tão angustiada. Todo mundo achava que era porque o filho dela tinha “morrido”. Só que agora eu entendia que não era só aquilo... Além da tristeza da “perda”, ela andava captando as vibrações de sua irmã desencarnada que não aceitava ou não entendia a morte... e de perto dela não saía!
“Vamos fazer uma coisa, Tia Conceição?” sugeri eu, e eu ia digitando no laptop tudo o que eu falava para ela em pensamento e todas as respostas que eu captava dela.
“Vamos fazer uma oração para recebermos ajuda?” eu sugeri.
Tia Conceição continuou sentada ali do meu lado. Pelo menos alguém falava com ela! Sabia que ela estava ali. (Ih, o espírito dela está aqui do meu lado agora!)
Começamos a fazer uma oração, onde eu roguei auxílio do plano espiritual para encaminhar aquela alma que sofria, que nos desse esclarecimentos, luz e amparo. Em poucos segundos, um portal de luz se abriu bem no meio da cozinha. Era uma espécie de luz branca muito forte que se abria em formato elíptico, começando apenas com um pontinho e depois se expandindo. De dentro desse portal de luz, saiu uma figura masculina, que apresentou-se como Tio Zezinho.
O Tio Zezinho fazia parte da família. Era tudo gente lá de Minas Gerais. Gente que eu não conhecia. O espírito do tio Zezinho dirigiu-se a Tia Conceição e encheu-lhe de alegria. A Tia Conceição vibrava, vendo mais um de seus familiares que há tempo não encontrava!
Eu fiquei assistindo a cena, comovida, e continuava registrando tudo no tlec tlec do computador.
“Olha aí, Tia Conceição, que beleza!” exclamei. “Viu só quanta gente quer voltar a ver a senhora?! Vá com o tio Zezinho! Com certeza há muitos familiares lá para a senhora rever!”
A tia Conceição ficou tão animada que nem me dava mais bola. Agora ela só falava com o tio Zezinho e com uns outros que começaram a sair pelo portal de luz (não me lembro agora o nome deles, preciso encontrar o arquivo onde anotei tudo isso).
No final das contas, a tia Conceição foi embora com o tio Zezinho e a patota da família italiana de Minas Gerais.
E fico imaginando a festa que ela está fazendo agora (ela unida à minha mente agora concordando, dizendo que sim).
Minha madrinha acabou de me ligar dizendo que o sepultamento será amanhã pela manhã. Eu estou aqui tentando decidir se irei ou não. Não sei se quero guardar uma imagem sofrida da minha vó, vendo aqueles homens colocando o corpo físico dela, inanimado, debaixo da terra...
Dá uma vontade de dizer, “Gente, a minha vó não está aqui, não. Ela está lá com a patota italiana de Minas... com a gente dela... Tio Zezinho, tia Serafina, tio Antônio (Toninho) e toda aquela gente lá... Gente da nossa família...” Eu agora posso ver a festa daqui... Eles estão em um salão... que tem um chão muito bonito... como se fosse um mármore cheio de losangos de duas cores... Eles estão de pé, abrançando a minha vó...
Aquele povo lá, que eu chamo de “meus ancestrais”. Mas talvez eu vá ao cemitério fazer uma homenagem, participar da “despedida”.
Mas homenagem mesmo que eu posso prestar para a minha vó é sempre ajudar uma criança que precise, igualzinho ela fez um dia. É sempre ter a capacidade de dividir o leite contido em uma caneca de aço muito humilde, vinda de uma merendeira... que um dia foi promovida a carimbadora de carteirinhas...
Um dia a minha vó me deu aquela caneca de aço. Ninguém tasca. Agora ela é minha. Para mim, será sempre um símbolo de compartilhar com quem precisa. E eu sempre terei orgulho de lembrar que uma ancestral minha um dia foi capaz de um ato de desprendimento tão grande que apenas um Anjo de verdade poderia fazer.
Adeus, vó! Adeus ao plano físico! Siga em paz com os seus amados irmãos, primos, vôs, vós e tias! Aqui nós ficamos, continuando a nossa experiência material nesta vida.
Sinto-me feliz por estar viva, vó. Hoje estou feliz com o sol, com os sons, com os cheiros, com tudo de bom que ainda pode acontecer na minha vida. Pode ir tranquila, vó. Eu sei que você se preocupava muito comigo. Se eu vou me firmar na vida. Ter carreira, tudo e tal. Pode deixar que o Yosef sempre cuida muito bem de mim, porque o amor com amor se paga e o amor se propaga... Hoje eu estou feliz, mais ainda. Porque tenho certeza que agora não é só o Yosef quem vai fazer de tudo para me encher de alegrias nesta vida... Tenho certeza... Adeus, vó. Aproveita aí a sua festa, a sua recepção. Por aqui, fica a despedida... com a certeza do reencontro... Não um reencontro no futuro. Tenho a certeza de um reencontro a cada dia.
(O espírito da minha vó me mandou um beijo agora. Ela está muito divertida. Ela está rindo, do melhor jeito que ela ria, e deu um beijo na palma da mão e jogou para mim. Os olhos dela estão brilhando de satisfação.)
Um beijo para você também, vó! Um grande beijo!